quarta-feira, 17 de agosto de 2016



Elke Maravilha, a drag queen de si mesma

TONY GOES - COLUNISTA DO "F5"
16/08/2016  08h01

É impossível classificar Elke Maravilha. Morta na madrugada desta terça-feira, ela foi uma das modelos brasileiras de maior destaque na virada dos anos 1960 para os 70 —mas não é por isto que será lembrada.

Também era excelente atriz, mas fez relativamente poucos papéis "de cara lavada", longe do personagem que criou para si própria.

Talvez seja esta sua melhor definição: um personagem. Uma autêntica drag queen, com o pequeno detalhe de ter nascido mulher.

Elke passou a se montar quando foi convidada para os júris que pululavam nos antigos programas de auditório da TV brasileira. Linda, espontânea e divertida, resolveu se destacar usando perucas gigantescas, maquiagem carregadíssima e uma profusão de acessórios. Virou uma celebridade reconhecível à distância.

Marcou época nas bancadas de Chacrinha (a quem chamava de "painho") e Silvio Santos. Ficou célebre sua interpretação de "Beijinho Doce", um dos hinos informais de sua terra adotiva, Minas Gerais.

Nascida Elke Georgievna Grunnupp em Leningrado (atual São Petersburgo), de pai russo e mãe alemã, migrou com a família para o Brasil quando tinha seis anos de idade. Criada em sítios do interior de Minas e de São Paulo, mesmo assim teve uma educação cosmopolita. Gabava-se de falar nove idiomas: português, russo, alemão, francês, inglês, italiano, espanhol, grego e latim.

Formou-se em Letras e trabalhou como secretaria trilíngue, antes de enveredar pelas passarelas. Tornou-se a favorita da lendária estilista Zuzu Angel, assassinada pelo regime militar em 1971 quando investigava o paradeiro de seu filho Stuart, um militante de esquerda.

Por causa deste caso, Elke foi presa por desacato à autoridade no aeroporto Santos Dumont, no Rio, quando viu cartazes que davam Stuart Angel como procurado pela polícia (ele já estava morto àquela altura, depois de torturado na Base Aérea do Galeão).

Elke passou seis dias na cadeia. Foi enquadrada na Lei de Segurança Nacional e teve sua cidadania brasileira revogada. Permaneceu apátrida por muitos anos. Tempos mais tarde, tornou-se cidadã da Alemanha. Nunca mais quis passaporte brasileiro, apesar de ter continuado morando aqui.

Era uma anarquista, tanto na política como na vida pessoal. Teve oito maridos, passou por três abortos, envolveu-se com drogas e álcool. Mas sua persona pública permaneceu liberada para menores: costumava saudar o público com "alô, criançada!".

Nos últimos anos, tornou-se mais rara na TV. Vivia com o irmão e um dos ex-maridos, de quem tinha ficado muito amiga. Fazia shows esporádicos, mas não estava esquecida: um de seus últimos trabalhos foi um comercial para uma grande marca de cosméticos. Afinal, maquiagem era com ela mesma.

Nise da Silveira, a psicanalista que criou o Museu de Imagens do Inconsciente, dizia que Elke Maravilha era uma sacerdotisa dionisíaca. Ela também era bruxa, fada, palhaça, travesti - e uma das figuras mais emblemáticas do nosso showbiz.

Elke Maravilha

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