sexta-feira, 5 de agosto de 2016


05 de agosto de 2016 | N° 18600 
CLAUDIA LAITANO

1984

Minha festa de 18 anos resumiu-se a um grupo de amigos amontoados num quarto com pouca luz e muita fumaça. O fato de que os meus pais estavam assistindo televisão na sala ao lado não impediu que alguns convidados se engajassem no consumo ostensivo de substâncias ainda hoje ilegais no país. A bebida da noite era uma mistura potencialmente mortífera de vodca com Minuano limão – e a arte de golpear o copo para ver o composto fervilhar parecia cada vez mais engraçada (e complexa) à medida que a noite avançava.

Estirada na rede, lugar de honra do quarto e da festa, me ocorreu que aquela estava sendo a melhor comemoração de aniversário da minha vida até então. Estava no primeiro semestre da faculdade de Psicologia da UFRGS, e a festa refletia a mudança de ambiente e companhias. Meus convidados não eram mais apenas os amigos de infância e os colegas de colégio mais próximos, mas uma pequena fauna variada e ainda não de todo familiar. Na universidade, muita gente que eu conheci já tinha um estilo de vida “adulto” (ou pelo menos assim me parecia). 

Moravam sozinhos, militavam em organizações políticas, tinham empregos de verdade e liam livros dos quais eu nunca tinha ouvido falar – o que me deixava ao mesmo tempo intimidada e curiosa. Não era ainda uma reunião “adulta” – considerando-se que nos aniversários de gente grande da minha família os convidados sentavam-se em cadeiras, comiam salgadinhos feitos em casa e definitivamente não consumiam substâncias proibidas –, mas já era bem diferente das festinhas de colégio de um ano antes.

Dois episódios me levaram de volta ao ano das Diretas Já, do filme Amadeus, da novela Vereda Tropical, dos últimos meses antes de eu começar a trabalhar: a publicação de um livro sobre o filme Verdes anos, lançado naquele emblemático 1984 (título, aliás, de um romance sobre um futuro distópico que já era velho quando eu nasci), e o aniversário de 18 anos da minha filha – ela também começando a faculdade e dando os primeiros passos no que se convencionou chamar de vida adulta.

Examinando os meus 18 e os dela em busca do que nos aproxima e nos afasta, como geração, me dei conta, entre outras coisas, de que aquela turma variada e cheia de opiniões sobre filmes e livros desconhecidos desempenhou um papel fundamental na minha vida. Cada um deles era uma janela aberta para algo que eu ainda não sabia sobre política, história, cinema, literatura. E, quanto mais diferentes e estranhos, mais eu aprendia sobre as pessoas, sobre o mundo e sobre mim mesma.

Para quem já nasceu conectado, a informação é uma commodity. Se alguém vier lhe contar sobre algo novo, o Google dará conta da novidade em segundos – do cinema tailandês aos ditadores da África Central. Em 1984, a informação era um metal raro e precioso que algumas pessoas, raras e preciosas, compartilhavam moderadamente.Era uma sorte tremenda topar com elas. Ainda é.

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