quarta-feira, 3 de agosto de 2016


03 de agosto de 2016 | N° 18598 
DAVID COIMBRA

Lula poderia ter sido bom

Tenho cá nas minhas estantes seis volumes encadernados em couro da História do povo brasileiro, de Afonso Arinos e Jânio Quadros. É um livro curioso, porque os autores, como você sabe, foram personagens de um atribulado capítulo da história que escreveram: Jânio foi presidente da República, e Afonso Arinos, seu ministro das Relações Exteriores.

Eles escrevem sobre si próprios na terceira pessoa, como Edson falando de Pelé. A respeito de um dia crítico na vida de Jânio e do Brasil, o dia da sua renúncia, o livro conta o seguinte:

“Na manhã de 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros madrugava no palácio, em Brasília. Unânimes são os depoimentos dos seus auxiliares diretos quanto à serenidade de que se achava penetrado”.

É notável, porque dá ao leitor a impressão de que Jânio entrevistou seus assessores diretos acerca de si mesmo. – Como eu parecia estar me sentindo no dia em que renunciei? – Ah, estava todo penetrado de serenidade.

Quanto à renúncia propriamente dita, Jânio Quadros definiu-a como “expressão de uma coerência de tipo heroico, no sentido carlyliano”. E mais: “Jânio Quadros”, escreveu Jânio Quadros, “acreditou que os destinos nacionais, num dado momento, dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal”.

Que personagem da história do Brasil!

O ato de renúncia de Jânio, como fica claro no livro, foi personalíssimo. Foi produto exclusivo da sua vontade. O que é fascinante, por demonstrar como a História com agá maiúsculo depende das pessoas. Alguém toma uma única decisão e muda o destino de milhões.

Se Jânio não tivesse renunciado, como se desenvolveria a história moderna do Brasil? Haveria golpe militar? Não havendo golpe militar, haveria subprodutos do golpe, como José Dirceu? Não havendo José Dirceu, haveria Lula?

Se. Conjunção subordinativa condicional. Há quem diga que o “se” não pode ser considerado, na História. Mas pode, sim. Você aprende, ao refletir sobre o “se”.

“Se” Lula tivesse governado apenas por um mandato, seria um bom presidente para o Brasil. Até 2006 ele ainda não havia caído na tentação do populismo financeiro e, se não pudesse se reeleger, nem tentaria costurar a rede de dinheiro e influência que usou para tentar se perpetuar no poder.

Cinco anos seria um bom tempo de mandato. Cinco anos e nada mais, em nenhum cargo, em nenhuma eleição.

Poderia ser assim, se – e aí surge, de novo, o “se” – não fosse Fernando Henrique quem é. Ou quem foi.

Açulado pela volúpia do poder, Fernando Henrique vendeu a própria alma e comprou outras tantas para aprovar a reeleição. Conseguiu. Não previu que, em oito anos, um partido organizado estabelece conexões poderosas o suficiente para se manter no poder indefinidamente. O PT estava a caminho de se tornar o que foi o PRI, partido que dominou o México por mais de 70 anos. Não fosse o impeachment de Dilma, o PT permaneceria no poder por 16 anos – a ditadura Vargas, imagine, durou 15.

A reeleição não deu certo no Brasil. Com a inelegibilidade do presidente, teremos gestores menos demagogos e mais empreendedores no futuro. Bem: “se” aprendermos a lição.

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