22 de agosto de 2016 | N° 18614
DAVID COIMBRA
A VAIA QUE LAVA
Nunca ouvi vaia igual. Vi Ronaldinho ser vaiado pelos gremistas quando marcou um gol, porque antes traíra o Grêmio. Vi o imponente Estádio Olímpico de Berlim estremecer com a vaia ao juiz que expulsou Zidane na final da Copa de 2006. Vi Lula ser vaiado no mesmo Maracanã, na abertura do Pan, em 2007. Mas nunca tinha visto ou sentido algo semelhante ao que se deu no sábado passado.
Durante cinco minutos, o Maracanã vaiou. E, durante cinco minutos, a Alemanha jogou. Era quase inacreditável, mas os jovens jogadores alemães não se deixaram perturbar por aquela vaia que desabava sobre eles como o piano que cai do oitavo andar. Continuaram trocando passes com competência germânica, chegaram à área do Brasil e por uma canela de zagueiro não fizeram o gol.
Isso, talvez, desestimulasse a torcida brasileira. Mas não. Os torcedores continuaram apupando com toda a gana, sem desistir, sem arrefecer, sem diminuir o volume do berro.
É possível que os alemães não tenham se incomodado com a vaia porque a compreenderam: aquela não era uma vaia “negativa”. Não era uma vaia de censura, como em geral as vaias são. Era uma vaia “positiva”, de apoio à Seleção.
O público se manifestava porque estava tentando ajudar. Cada torcedor fazia força para empurrar a bola com a voz. Porque existia um sentimento conjunto permeando os brasileiros que estavam no Maracanã e possivelmente todos os outros que assistiam ao jogo pela TV: era preciso vencer aquele jogo. Porque era mais do que um jogo; era um símbolo.
Até os anos 1990, nós achávamos que o Brasil não tinha jeito mesmo. Era inflação, era ditadura, era desemprego e, para arrematar, era uma Seleção que havia mais de 20 anos não ganhava uma Copa. Aos poucos, porém, conseguimos restabelecer a democracia, vencemos a inflação, o país começou a crescer e até a Copa nós conquistamos. O Brasil, enfim, era um Brasil novo.
Tudo estava dando certo e, de repente, tudo deu errado.
Em poucos anos, com a velocidade da peste, o Brasil, simplesmente, fracassou. E o signo desse fracasso foi o revés na Copa do Mundo brasileira: os 7 a 1 para a Alemanha.
Dois anos depois, cá estávamos nós outra vez. Nesses dois anos, o Brasil purgou. O Brasil sofreu. Agora, se não eram exatamente os mesmos Brasil e Alemanha que se enfrentavam, ainda eram Brasil e Alemanha. E no Maracanã. Não poderia haver arena melhor para essa final. O Maracanã do Maracanazo, o Maracanã de Pelé e Garrincha, o Maracanã da bela cerimônia de abertura da Olimpíada e, também, o Maracanã que vaia.
Pois o Maracanã vaiou, só que, desta vez, não vaiou contra: vaiou para jogar junto. O Brasil tinha de vencer aquela decisão, sentiam todos no estádio. Tinha. Para mostrar aos brasileiros que o pior já passou e que é possível ver o sol nascendo no horizonte.
Por tudo isso, a festa da vitória no Maracanã foi uma festa de desabafo. De alívio. O Brasil se depurou debaixo dos braços abertos do Cristo Redentor. Saiu de medalha dourada pendurada no pescoço. Sentindo-se um Brasil novo. De novo.
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