quinta-feira, 11 de agosto de 2016

11 de agosto de 2016 | N° 18605 
PAULO GERMANO

Aguentem o Fora Temer

Tenho lido que a Olimpíada – histórico palco de integração entre povos, raças e até nações inimigas – não é ambiente para manifestação política. Na verdade, sempre se pregou isso, o que, aliás, é bem razoável. Concordo que os brasileiros erram quando colocam os problemas internos do país à frente desse espírito global de respeito às diferenças. Mas conscientizá-los na base da censura é um erro ainda maior.

Em decisão liminar na segunda-feira, o juiz federal João Augusto Araújo afirmou que proibir as manifestações pacíficas “afronta o núcleo inviolável do direito fundamental da liberdade de expressão”. Ficou liberada, portanto, a exibição de cartazes e camisetas com mensagens políticas, antes reprimida pela organização da Olimpíada. Está certo. Não se pode atacar o cerne de um direito porque, na opinião de algumas pessoas – inclusive na minha –, uma conduta pode ser deselegante ou inadequada.

Inadequado não é ilegal. E nenhuma imposição do Comitê Olímpico Internacional pode atropelar a Constituição, que assegura a livre manifestação do pensamento.

Claro, se na hora do saque, em um jogo de tênis, o tenista atira a bola para cima e, no momento da raquetada, alguém grita “Fora Temer!” e desconcentra o coitado, é diferente. Qualquer comportamento que perturbe o espetáculo também perturba, por consequência, o direito dos outros. O bobalhão deve ser repreendido e, se persistir, retirado.

Mas que perturbação pode haver quando alguém ergue um cartazinho contra o presidente? Ou quando um grupo de pessoas veste camisetas que, lado a lado, formam a frase “Fora Temer”? Pode-se dizer, no máximo, que estão ferindo o espírito olímpico – porque, em nome da convivência pacífica entre todos, as divergências deveriam ficar do lado de fora. Tudo bem. Mas é simplista e autoritário ensinar uma população com um chicote apontado para ela. No lugar da censura, a melhor solução seria aquela mais óbvia, aquela que requer empenho e investimento: educação.

É a educação que nos faz entender as regras tácitas dos ambientes que a gente frequenta. Quem vai a concertos, por exemplo, sabe que a hora do aplauso é quando o maestro vira-se para a plateia. Mas basta ir ao cinema, onde ninguém mais cala a boca, para perceber o quanto esses códigos de etiqueta estão esfacelados.

Não à toa, a imprensa internacional vem se queixando. “No boxe, no judô, na esgrima ou até no tênis, os torcedores brasileiros se comportam como se estivessem em um Flamengo x Fluminense, jogo em que as paixões, cusparadas e eventualmente até socos fazem parte”, diz um texto da agência Reuters.

– Nós também somos seres humanos – reclamou a tcheca Marketa Slukova, vaiada o tempo todo na estreia das brasileiras Ágatha e Bárbara no vôlei de praia. – Eu jogo há 10 anos e nunca vivi isso. Não deve ser nada pessoal contra nós, eles só não sabem o limite entre o que é apropriado e o que não é.

Por outro lado, a mesma imprensa internacional se diverte com a nossa empolgação. Foi divertido quando a torcida cantou “mina, seus cabelo é da hora” para homenagear o equatoriano Carlos Mina, que vencera uma luta de boxe. Também dei risada com os gritos de “ôôôôôô, zika!” sempre que a goleira da seleção americana de futebol, Hope Solo, tocava na bola – ela tinha feito gracinha no Instagram ao publicar uma foto com roupas de proteção e um inseticida contra o Aedes aegypti.

Quer dizer: não somos alemães nem austríacos, somos galhofeiros e criativos até quando nos censuram. (Achei genial uma torcedora empunhando um cartaz que dizia “Fora você sabe quem”). Só que, de fato, nos falta educação. E não vai ser retrocedendo no que já conquistamos – a liberdade de expressão é uma conquista recente – que vamos avançar em qualquer coisa.


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