terça-feira, 9 de agosto de 2016


09 de agosto de 2016 | N° 18603 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

ARY BARROSO


Tem Olimpíada e tem a minha vontade de escrever algo que ajude a entender o que se passa neste tempo tão sem centro, tão desalentador – agora mesmo eu estava dando linha para a imaginação sobre o que serão as eleições para a prefeitura este ano, sobre os limites para discussões realmente importantes sobre mobilidade urbana, solução decente para o Cais Mauá e o teatro da Ospa (me disseram que o problema da paralisação das obras tem a ver com emperramento na burocracia, porque dinheiro haveria!).

Mas, sabendo que não vou conseguir articular nada que preste sobre os dois grandes temas, volto para a minha rotina de leitor e ouvinte: ando escutando com atenção a coleção das primeiras gravações de Ary Barroso, 316 primeiros registros de canções (de um total de 321 composições) dessa figura que ajudou muito a definir o que somos, porque impôs sua visão do Brasil para nós e para o mundo. (Na festa olímpica, sua Aquarela do Brasil é uma lente pela qual os visitantes nos enxergam.) Saiu em 2013 pela NovoDisc.

Trabalho que o Brasil deve, mais uma vez, a Omar Jubran, pesquisador paulista que já tinha merecido uma estátua solo por seu trabalho acerca de Noel Rosa, em 14 CDs inolvidáveis. Não se dando por contente, agora vem com o outro gigante dos anos 1930, o Ary. Vem a gravação, em 20 CDs, e vem um livrinho com as letras e uma penca de informações de contexto.

Nos primeiros anos, está coalhado de maxixes e de letras com vancê, inté, farsidade, os oio. A expressão “Brasil brasileiro”, esta pérola da redundância vazia e ufanista que está na Aquarela (de 1939), já aparece em Terra de Iaiá, de 1931, e já mergulhada na mitologia baianófila do compositor.

Mas eu parei mesmo, pasmo e sem concatenar o pensamento, quando ouvi Negra também é gente, de 1934. Argumento do estribilho: “Quem foi que ninou o Brasil? Quem mais padeceu docemente? Portanto, no nosso país, nego também é gente”. Sim, isso mesmo. Em 1934, anteontem.

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