24 de agosto de 2016 | N° 18616
DAVID COIMBRA
Eu tenho um sonho
Eu tenho um sonho. Meu sonho não é ver ressoar a liberdade, como sonhava Martin Luther King. Tampouco é algum pleito tipicamente brasileiro, como o encarceramento de todos os corruptos de Brasília ou a vitória suprema dessa ou daquela facção ideológica, confirmando esse ou aquele dogma.
Não. Meu sonho é mais funcional. É um sonho bem simples, até prosaico. Sonho com o Brasil desenvolvendo três grandes áreas por meio da escola pública: educação, esporte e cultura.
Os países em que as pessoas usufruem dos mais altos níveis de bem-estar, justiça e liberdade, todos eles, todos, sem exceção, têm como cimento da sociedade a escola pública.
A lista desses países vencedores em qualidade de vida não por acaso praticamente reproduz a lista dos vencedores da Olimpíada do Rio, disputada tanto tempo atrás, na semana passada. Tire dali a Rússia e a China, que ganham medalhas devido ao seu tamanho, e o que se vê são as grandes democracias. Todas essas nações reúnem educação, esporte e cultura no ambiente da escola pública. Todas elas cuidam das suas crianças.
Nós, de quatro em quatro anos, ao cabo de cada Olimpíada, deitamos falação sobre como tem de ser o investimento no esporte no Brasil. Fosfato queimado em vão, porque, uma semana depois da cerimônia de encerramento, ninguém mais pensa no assunto.
O certo seria não precisar pensar no assunto. O certo seria o esporte e a cultura serem tratados como parte do sistema de educação.
No Brasil vive-se uma contradição – a escola pública é desimportante, ao mesmo tempo em que se espera dela o mais importante: que forme o caráter do aluno. As duas coisas estão erradas. A escola é muitíssimo importante, mas não pode assumir essa tarefa. A principal função da escola não é dar educação: é transmitir conhecimento. A educação tem de ser dada em casa, pela família. Mas a escola pode ajudar, ensinando o cumprimento de regras e incentivando, exatamente, o esporte e a cultura.
O esporte ensina a ganhar e a perder, ensina a disciplina, ensina a trabalhar em equipe, ensina a cumprir regras, ensina a respeitar os outros. E é com o consumo da cultura que o estudante irá aprender a pensar, no momento em que ele discutir um livro, um filme, uma peça de teatro.
Não faz muito, o governo tentou unir os ministérios da Educação e da Cultura em um só. Não conseguiu, devido aos protestos da classe artística, sobretudo dos grandes atores e músicos brasileiros.
Duvido que o governo tivesse interesse em melhorar esses setores; a ideia era só cortar gastos.
O governo, qualquer governo, prefere investir no adulto – na universidade ou no atleta já formado. Dá mais prestígio. Dá mais voto. O investimento na criança só apresenta resultados a longo prazo e não garante reeleição. Assim, tudo fica como sempre esteve. Assim, daqui a quatro anos, depois da Olimpíada japonesa, voltaremos a discutir sobre o que o Brasil tem de fazer para ganhar mais medalhas. E eu voltarei a escrever sobre o meu sonho. Um sonho tão simples e tão prosaico. E tão difícil de ser realizado.
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