terça-feira, 16 de agosto de 2016



16 de agosto de 2016 | N° 18609 
PAULO GERMANO

O moralismo de araque

Talvez a tendência mais irritante entre os jovens de hoje – e incluo aqui quem já passou dos 30 anos – seja o culto ao moralismo. Que gente chata, que gente arrogante. Julgam-se arautos do bom comportamento, embaixadores da integridade moral, mas só conseguem propagar a truculência e a ignorância.

Se no fundo houvesse boas intenções, tudo bem, daria para relevar, só que o moralismo dessa geração é oportunista e egocêntrico. É o moralismo caça-likes – ele não quer um mundo melhor, ele só quer autopromoção. O exemplo mais recente é o caso do ginasta paulista Arthur Nory, 22 anos, que no domingo conquistou uma medalha de bronze nos Jogos do Rio.

Milhares de brasileiros empenharam-se em destruir sua comemoração. Inundaram as redes sociais com xingamentos e menções a um episódio de maio de 2015, quando Nory errou feio ao fazer gozações racistas com um colega de equipe. Na ocasião, ele foi suspenso pela Confederação Brasileira de Ginástica após publicar no Snapchat um vídeo em que dizia sorrindo: “O saquinho de supermercado é branco. E o de lixo é de que cor? Preto”. Nory direcionava os comentários – acompanhado de outros dois atletas também suspensos – ao ginasta negro Ângelo Assunção.

O caso, na época, foi amplamente coberto pela imprensa. Nory sofreu o linchamento público que agora sofre de novo, teve sua preparação para os Jogos interrompida por um mês, foi alvo de um processo na Justiça Desportiva e perdeu patrocinadores que, ainda hoje, se recusam a associar suas marcas ao nome dele. Até aí, tudo muito justo. Foram consequências que ele precisava sentir – mesmo que tenha pedido desculpas e recebido o perdão de Ângelo Assunção, que é seu amigo de infância.

Assunto encerrado. Mas, no domingo, enquanto Nory avançava na competição, usuários mais atentos do Twitter iniciaram a corrida pelo moralismo de araque. Funciona assim: aquele que lembrar mais rápido que o provável medalhista é o mesmo que foi racista ganha mais likes. E ainda terá seu edificante tuíte reproduzido em sites de notícias sedentos por essa recente aberração jornalística: “Assunto tal repercute nas redes sociais”.

Quer dizer: não importa se minha crítica é justa, se estou sendo hipócrita, se a pessoa já pagou pelo que fez ou se a própria vítima decidiu perdoá-la. O que vale é a glória de inaugurar uma rebelião que, obviamente, não é contra o racismo – é apenas a favor de mim mesmo. Porque eu apareço, eu sou aplaudido se ajudar na destruição do outro.

O culto ao moralismo virou uma praga moderna. Estão todos dispostos a atirar a primeira pedra em nome de uma vaidade ególatra. Não há mais sensibilidade para o pecado – e, se não há pecado, não há misericórdia, não há piedade, não há compaixão. Deus me livre de uma sociedade sem compaixão.

Os jovens de hoje apedrejam quem come carne. E quem anda de carro. E quem fuma cigarro. E quem prefere a monogamia e quem sente ciúme e quem joga Pokémon. Eles não erram, não têm maus sentimentos, não têm preconceitos – só os preconceitos que consideram justos. Arthur Nory, com uma medalha no peito mas execrado por parte do país, falou ao jornal Extra:

– Todos cometem erros. Eu cometi, mas realmente me arrependi. Sofri muito e me arrependo até hoje. Foi uma fatalidade, o perdão do meu amigo eu já tive.

O perdão dos moralistas seria pedir demais.

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