terça-feira, 9 de agosto de 2016


09 de agosto de 2016 | N° 18603 
PAULO GERMANO

A tocha do preconceito


Protestos, aqui na frente da Zero, são bem comuns. Tem gente que não gosta do jornal – o que é legítimo – e, no atual momento político do país, as pessoas querem reclamar, se expressar, apontar culpados, o que também é legítimo.

Sexta-feira passada, veio um pessoal para cá. Eram cerca de 40 artistas, a maioria ligada ao movimento Ocupa MinC Porto Alegre. Gostei do bom humor deles. Usavam fantasias que satirizavam os esportes olímpicos – destaque para um grandalhão rebolando com aquelas fitas de ginástica rítmica –, sopravam apitos, tocavam tambores e cantavam sorrindo. Algumas mulheres formavam a Tropa de Nhoque, trocadilho com Tropa de Choque, e também havia outros trocadilhos nos gritos de guerra (perdão, adoro trocadilhos): Olimpíada virava OlimPIADA, e a Tocha Olímpica era lembrada em frases como “atocha eu”.

Um protesto de esquerda. Contra Temer, contra Sartori, contra a grande mídia, contra a RBS. O objetivo do grupo, que se reuniu na escadaria da Zero Hora, na Avenida Ipiranga, era conceder uma entrevista ao jornal. Queriam, segundo um manifestante que narrava o protesto ao vivo no Facebook, “mostrar o outro lado da notícia, (mostrar) aquilo que normalmente não é divulgado pelos meios de comunicação tradicionais”.

Foram atendidos. A repórter Nathália Carapeços desceu para entrevistá-los. Após observar a movimentação por alguns minutos, ela tentou fazer a primeira pergunta. Um dos manifestantes, fantasiado de Prometeu – o titã grego que carrega a Tocha Olímpica –, posicionou um cilindro comprido em frente à região pélvica e apontou-o para Nathália.

– Tem que pegar na tocha – debochou.

A repórter tentou ignorar, constrangida, mas uma manifestante a interrompeu:

– Se pegar na tocha, pode conversar.

– Não posso pegar na tocha – respondeu Nathália.

– Esta é a ordem! – reforçou outra manifestante, a segunda mulher a estimular a intimidação.

– E pode ser só um carinho – insistiu o homem da tocha.

Alguns dirão que a grosseria foi contra a RBS, não contra Nathália, como se aquelas pessoas estivessem obrigando um prédio ou um logotipo – e não uma mulher – a agarrar um objeto que simulava um pênis. Como se não fosse uma mulher quem precisasse submeter-se a uma humilhação de teor sexual como condição para exercer seu trabalho. Nathália, claro, não encostou na tocha, e, profissional que é, ainda publicou no site de ZH uma notícia sobre o protesto, como queriam seus organizadores.

Falando nos organizadores, a misoginia do episódio chama mais atenção quando se lê, na página do Ocupa MinC Porto Alegre, a descrição do movimento: “Não compactuamos com uma estrutura governamental composta majoritariamente por homens brancos cisgêneros e heterossexuais, fundamentalistas religiosos e intolerantes com a diversidade, para os quais a nossa existência é uma ofensa”. Belo discurso.

Outros também dirão que minha crítica esconde uma perseguição à esquerda, já que a direita vive praticando atos machistas. De fato, se aquela atitude estúpida fosse praticada por um grupo de apoiadores do Bolsonaro, infelizmente não seria uma grande surpresa. É natural sermos mais rigorosos com quem pretende ensinar aquilo que é certo do que com quem, historicamente, faz aquilo que é errado. De Bolsonaro, eu espero preconceito. De artistas que defendem a democracia, gritam por direitos iguais, se dizem de esquerda e convivem diariamente com homossexuais, não.

Claro que o incidente não deslegitima o movimento como um todo. Também não deslegitima seu ímpeto de criticar o atual governo e os meios de comunicação. Mas exige uma reflexão urgente. Porque aquele bom humor que admirei no início do protesto, esse perdeu toda a graça.

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