29 de agosto de 2016 | N° 18620
DAVID COIMBRA
Como fazer sucesso intelectual
Estou finalizando um curso que ministrarei sobre “Como fazer sucesso intelectual”. Comecei a prepará-lo no ano passado e agora entrei nos arremates. Talvez me torne professor de Harvard. Fino. Segue um sumário.
Antes de tudo, lembre-se de que você precisa aproveitar as oportunidades. Eventos como os últimos crimes que chocaram os gaúchos, por exemplo, são perfeitos para você fazer sucesso. Porque lhe dão a deliciosa possibilidade de criticar a sociedade.
Criticar a sociedade pega bem. A sociedade adora ser criticada, porque as pessoas pensam que os criticados são os outros, não elas próprias.
Então, é só tomar um crime chocante e comparar com outro crime que não ganhou manchetes, só que neste a vítima tem de ser pobre, ou negra, ou gay, ou nordestina, sei lá. Aí você escreve: “A sociedade .......... não se importa com o que acontece com os ..........”. Na primeira linha hachurada, escreva o nome da sociedade que você quer criticar e que vai aplaudi-lo. Pode ser sociedade “brasileira”, ou “americana”, ou “congolesa”, ou “japonesa”, ou “argentina”, sei lá, todas as sociedades terão questões com quem é diferente, porque o ser humano tem medo do diferente. E, na segunda linha hachurada, escreva acerca da origem da vítima. Pode ser um tútsi que sofra com o preconceito dos hutus, ou xhosas que sofram com o preconceito dos zulus, ou negros que sofram com o preconceito dos brancos, ou pobres, ou gays, ou sei lá. O bom é que preconceitos existem a mancheias em todos os grupos humanos.
Outra: a sociedade retroalimenta-se de um mui útil sentimento de culpa judaico-cristão-burguês. Acuse-a, portanto! Mas incluindo-se na acusação. Grite: “Todos somos culpados!”. A sociedade experimentará o gozo do cilício e da autoimolação, e vai revirar os olhinhos de prazer e vai lamber a sola das botas que lhe pisam no pescoço: por conveniência, as suas.
Mais uma: separe uma questão lateral do tema do momento e trate-a como se fosse fundamental. Vai parecer que você vê o que ninguém vê. Melhor ainda: arroste previamente a sua coragem. Escreva, antes da tese: “Sei que vão me crucificar...”. Dá a impressão de que você está enfrentando alguém poderoso ou o povo ignaro, que você é um abnegado, disposto a se sacrificar pela causa da Justiça com jota maiúsculo.
Depois desse introito, escreva coisas como: “Para esses que dizem que Jesus é malvado, respondo que...”. Ninguém disse que Jesus é malvado, mas as pessoas vão pensar que você está se batendo heroicamente com os que dizem que Jesus é malvado e o festejarão: “É isso mesmo! É bem o que penso!”.
Um parêntese: (Nunca esqueça que as pessoas só aplaudem opiniões que concordam com as suas próprias opiniões. Quer dizer: elas só aplaudem a si mesmas).
Por fim, mas não menos importante: sempre podemos trabalhar em cima dos políticos. Nas democracias, as pessoas desprezam os políticos, porque eles em geral ficam ao nível delas mesmas. É repugnante. Um político, para ser amado, tem de ser um pai grave, um homem que olha de cima para baixo. Em resumo: um ditador. Ou um candidato a. No caso do “candidato a”, refiro-me, naturalmente, ao populista. O populista é uma mescla de pai provedor e amante canalha. As pessoas adoram quando são enganadas pelo populista. Elas sorriem e balançam a cabeça:
– Que malandro...
Já os políticos que caminham na planície podem e devem ser agradavelmente massacrados e insultados quando você estiver passando por alguma dificuldade. Isso faz bem, porque tira de você a responsabilidade por seus próprios problemas. Logo, você, que pretende fazer sucesso intelectual, jamais se esqueça de açoitar os políticos, e nunca faça a menor ponderação. Não afirme que ele está errado; afirme que ele é uma besta. Eis um resumo do meu curso. Logo estará concluído. Inscrições em Harvard. Prepare seus dólares.
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