terça-feira, 16 de agosto de 2016


16 de agosto de 2016 | N° 18609
DAVID COIMBRA | David Coimbra

Ninguém jamais foi amado como Bolt

Aconteceu algo entre Bolt e o Brasil. Algo especial e importante. Bolt arrancou do peito o coração do torcedor brasileiro e nele tatuou seu nome, uma tatuagem que, como diria Chico Buarque, ele pega, esfrega, nega, mas não lava, e não lava por uma razão sólida: ele está adorando.

Pudera. Dos dois, Bolt e Brasil, o dominador é Bolt. O Brasil quer se rojar nos pisos emborrachados das pistas e beijar suas sapatilhas douradas. O Brasil está submetido, bobo de paixão.

Esse fenômeno passional provavelmente nunca aconteceu com um atleta estrangeiro nesta terra de um povo que, como nenhum outro, chora de emoção e vaia de raiva. Fernando Pessoa dizia que amar é cansar-se de estar só, e talvez seja isso mesmo: a torcida brasileira cansou-se da falta de heróis locais e adotou um que vem do Mar das Caraíbas.

Na final dos 100 metros rasos, disputada na noite azul e amena do Engenho de Dentro, esse encantamento do brasileiro com Bolt chegou ao paroxismo. Antes da prova, sem motivo aparente, de repente ecoava o grito das arquibancadas:

– Bolt! Bolt! Bolt!

As pessoas só pensavam nele.

Quando Bolt enfim entrou na pista, o público se derreteu:

– Bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt bolt!

Seu maior rival, o americano Justin Gatlin, foi vaiado, como se fosse o vilão da noite. O comportamento da torcida, estranho para uma competição de tal nível, e ainda mais numa Olimpíada, deixou até Bolt perplexo.

– Nunca tinha visto isso – confessou o jamaicano, depois da prova.

Não era nada pessoal contra Gatlin, era tudo a favor de Bolt. É que o americano ameaçava o xodó do torcedor. Bolt tinha que ganhar, e pronto. A torcida estava lá para ajudar. Era tamanha essa ânsia que, quando Bolt levou o indicador aos lábios, pedindo silêncio, todos no estádio prenderam a respiração. Parecia que o Engenhão estava vazio. Podia-se ouvir um cachorro latindo a quatro quadras de distância.

Bolt retribuiu não apenas com a vitória, mas com sua natural simpatia, ao fazer grande festa na pista atlética. E aí está demonstrada a inteligência do atleta. Ele sabe que a pose para a câmera, a frase ao microfone, a parada para a selfie, o aceno para o fã, a bandeira enrolada no ombro, ele sabe que tudo isso faz parte da sua profissão. Ele é um profissional que trabalha por amor. O torcedor sente essa entrega e a ele se entrega também.

Vencedores em geral são admirados – Michael Phelps é ovacionado nas piscinas, Simone Biles é aplaudida nos ginásios. Mas Bolt ganha mais do que isso, da torcida brasileira: ganha o amor. Bolt é um sedutor. O brasileiro, um seduzido.

CHIMARRÃO NA VILA
Vi um jogador de basquete da Argentina tomando mate na Vila Olímpica. Ele empunhava uma cuia pequena, que quase sumia em sua mão de gigante. Os atletas de outros países olhavam à distância, intrigados. Quase fui lá, pedir para dar uma mateada. Lembrei de Jayme Caetano Braun:

Sempre a mesma liturgia

Do chimarrão do meu povo,

Há sempre um algo de novo

No clarear de um outro dia.

Gosto de pensar que há sempre algo de novo no clarear de um outro dia.

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