20 de agosto de 2016 | N° 18613
PAULO GERMANO
A incerteza do padre
Soube que o padre Fábio de Melo viria à Redação. Era minha chance. Quem me acompanha sabe, já escrevi isso algumas vezes: basta surgir uma pequena oportunidade com alguém que admiro, que lá vou eu incomodar:
– Deus existe?
É uma obsessão, sou meio chato. O Leandro Fontoura, editor de Notícias aqui da Zero, odeia quando escrevo sobre isso, diz que é uma bobajada, que tem muita coisa importante acontecendo para se perder tempo com dúvidas inúteis. Pois perco tempo com esse troço há quase 30 anos. Que que eu posso fazer? Uma das maiores inquietudes da minha vida se refere a essa pergunta – Deus existe? –, e mais inquietante ainda é a forma como ateus e fiéis lidam com a resposta. Como podem ter tanta certeza? Por que suas convicções são tão invioláveis? Sinceramente, invejo todos eles.
Mas o padre Fábio viria à Zero Hora – e talvez ele me desse uma boa resposta e, se me desse, eu teria de escrever sobre isso outra vez, azar é o do Leandro. Porque já questionei mais de 200 pessoas sobre o assunto, entre crentes e descrentes, e nenhuma jamais me persuadiu. Nunca, portanto, formei uma opinião acerca da existência ou não de Deus.
E por que Fábio de Melo ajudaria? Porque, embora eu tenha torcido o nariz quando o vi pela primeira vez (lembro daquele padre galã fitando o horizonte, apoiando o queixo no punho cerrado em um comercial cafona de TV), aos poucos percebi que ele é um fora de série. Suas pregações e entrevistas têm se revelado aulas necessárias de tolerância – e de hermenêutica, ao oferecerem interpretações do Evangelho que apenas agregam, jamais discriminam. Eu queria saber o que faz alguém tão profundo, de inteligência tão apurada, ter tanta convicção sobre a existência de Deus.
Ele chegou às 11h15min, vestindo jaqueta de couro preta e um blusão vermelho. Cumprimentou-me com simpatia à beira da escada, e o fotógrafo Félix Zucco começou a filmar nossa conversa.
– Padre, tenho uma dúvida que me acompanha desde criança – decidi não perder tempo. – Como é que o senhor tem certeza de que Deus existe?
Ele soltou um meio sorriso e, embora não tenha muita cara de padre, respondeu com a calma de um padre:
– Se eu tivesse certeza, não precisaria ter fé.
Como é que é? Não pode ser! Nem o padre Fábio de Melo tem certeza de que Deus existe?
Mantive a boca entreaberta, e ele prosseguiu:
– A experiência da fé nos dispensa das certezas. Fé é confiança, não é certeza. É o que você pode experimentar, por exemplo, como filho. Você tem certeza do amor de sua mãe?
– Olha... Acho que sim, padre.
– E você tem provas científicas desse amor que ela sente por você?
– Não... – Mas você confia. Você acredita. E pronto.
Nunca tinha pensado por esse lado. Fábio de Melo não tentou me persuadir, não tentou me impor sua verdade, apenas explicou por que, para ele, aquela é sua verdade. Se ele sente que Deus existe, como eu sinto que minha mãe me ama, quem tem autoridade para contestá-lo?
Agradeci a ele por se comportar com a tolerância própria dos valores cristãos. Porque, se eu não sou cristão, tampouco me parecem cristãos alguns dos sacerdotes de maior penetração nas massas – malafaias que debocham, julgam e agridem quem não compactua com suas verdades. Na saída do prédio, Fábio de Melo atendeu às fãs que pediam fotos, despediu-se e disse assim:
– Conheço ateus que agem como cristãos. No fim, é só isso que importa. É só isso que Deus quer.
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