domingo, 28 de agosto de 2016




27 de agosto de 2016 | N° 18619
DAVID COIMBRA

A sociedade aprendeu a banir um governo que a ponha em risco

Há três anos, a sociedade brasileira aprendeu que pode virar multidão. Antes disso, as mobilizações de massa eram exclusividade das esquerdas, sempre orgânicas e coordenadas. Levantes realmente espontâneos no país, só em grandes causas. E ainda assim bem específicas: as Diretas Já em 1984, o Fora Collor nos anos 1990. Ou, é claro, em eventos esportivos ou comoções populares: as mortes inesperadas de Tancredo e Senna, o suicídio de Getúlio.

O Brasil experimentou uma rebelião popular genuína, de baixo para cima, em 1904, na Revolta da Vacina. Foi algo que explodiu do peito do povo, tão poderoso quanto equivocado: a vacina contra a qual a população se rebelava a salvaria da doença e da mortandade.

O povo, às vezes, é bobo.

Três anos atrás, naquele mesmo junho em que se disputava a Copa das Confederações no Brasil, deu-se um movimento sem ideologia e genuinamente popular. As pessoas gritavam, nas manifestações:

– Sem partido! Sem partido!

E não sabiam contra o que, exatamente, protestavam. Elas protestavam “contra tudo que está aí”.

Tratava-se, na verdade, de um sentimento prévio: os 10 anos de governo do PT fizeram um enorme mal à sociedade brasileira, devido ao seu caráter excludente. As explosões daquele junho eram explosões da classe média acuada pelo sectarismo. Era insuportável ter que pagar a conta e, ao mesmo tempo, ser acusada de elite branca insensível.

Tenho dito, e repito, que foi mais pela revolta contra o sectarismo do que pela revolta contra a corrupção que o Brasil se ergueu contra o governo do PT. Corrupção sempre houve; tamanha arrogância, jamais.

O Brasil conseguiu tirar o PT do poder, e suspirou de alívio. Faltam agora apenas mais algumas formalidades.

Isso não quer dizer que qualquer outro governo ruim será corrido dos palácios e que o impeachment vai se transformar em norma. Não. É preciso haver igual prepotência e sede de poder. Ou uma incapacidade tal, que coloque a sociedade em risco.

Assim, chego ao governo Sartori.

Sartori não é incompetente nem mal-intencionado. Não é arrogante ou sectário.

Sartori é equivocado.

Sartori é aquele médico que, para combater a doença, deixa o paciente se sentindo tão mal, que ele prefere a morte.

Faça o exercício clássico e comezinho da comparação com o seu orçamento doméstico: se você gasta mais do que ganha e não tem de onde tirar novos recursos, terá, necessariamente, de cortar despesas. Mas você não deixa de comer para economizar, porque sabe que, se fizer isso, morrerá de fome. Sartori chegou à mesma conclusão: terá de diminuir o que o Estado gasta. Só que, em nome da contenção, ele elimina tudo, inclusive o essencial.

O essencial é segurança pública. Educação é fundamental, saúde é importantíssima; segurança pública e justiça são essenciais.

Sartori, ao parcelar os salários dos servidores, ao fechar postos de polícia, ao deixar os carros sem combustível, ao não contratar mais policiais, ao permitir que delegacias fechem na hora do jantar por falta de pessoal, ao anunciar sempre e sempre que não tem como fazer melhor, Sartori atingiu o ponto crítico que citei antes: colocou a sociedade em risco.

Cabe, nesse ponto, uma ressalva que alivia o peso da responsabilidade de Sartori. A Justiça gaúcha, excessivamente garantista, tem sua culpa. O chamado “prende e solta” passa um recado ao bandido. Se você for preso 60 vezes, significa que 60 vezes será solto. A punição já não faz mais diferença alguma.

Para arrematar, há a cultura da vitimização, do coitadismo. O sujeito acredita que rouba porque TEM que roubar. Que não há alternativa. Ele fez sua parte nascendo. Depois disso, a sociedade é que deve tomar providências para que ele viva bem e em conforto, ou ele sairá por aí atirando em cabeças incautas.

A atitude derrotista do governo, o garantismo da Justiça e a cultura da vitimização geram uma sensação de segurança. Nos bandidos. Eles se sentem tão tranquilos, tão intocáveis, que não hesitam em atirar em um pai na frente do seu filho no começo da noite nem em uma mãe diante da sua filha no fim da tarde. Entre matar ou não matar, eles escolhem matar. Por quê? Porque é mais fácil: é só puxar o gatilho e, pronto, está eliminada aquela pessoa que o irritou por ter tentado defender o filho ou porque se atrapalhou ao tirar o cinto de segurança. Está eliminado mais um integrante daquela sociedade malvada que fez com ele o que ele é.

Volto a dizer, como tenho dito há meses: a sociedade está se sentindo em perigo. A mesma sociedade que, nos últimos três anos, aprendeu que não depende de partido político, ONG ou sindicato para se levantar. Aprendeu que, se quiser, tem força para banir um governo espúrio. Ou um governo que a ameace. Cuidado, Sartori. Faça algo, e rápido e com força.

Antes que seja tarde.

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