segunda-feira, 8 de agosto de 2016


08 de agosto de 2016 | N° 18602
DAVID COIMBRA | David Coimbra

UM POUCO DE AMOR-PRÓPRIO

Deus, como precisávamos disso! Como precisávamos mostrar para o mundo e, principalmente, para nós mesmos que podemos fazer coisas boas e grandiosas.

Falo da cerimônia de abertura da Olimpíada, que se deu em um tempo remoto, sexta à noite, mas que ainda me faz sorrir por ter nos devolvido algo que é tão importante para viver quanto a água de beber: o amor-próprio.

Não vaidade, e sim autoestima.

Porque, se você não gosta de si mesmo, quem há de gostar? Quando você não gosta de si mesmo, as outras pessoas pensam: “Ele deve ter razão; afinal, ele se conhece”. Assim, elas concordam com você e também passam a desprezá-lo. É o princípio da propaganda utilizado ao contrário.

Vale para os produtos, vale para as pessoas, vale para as nações.

O PAÍS DO FUTURO
Quantos países são capazes de produzir a cerimônia linda e simples, emocionante e de bom gosto, humana e harmônica, como foi a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio?

Sempre se disse que o Brasil é o país do futuro, e o futuro nunca chega. Pois na noite azul-marinho de sexta, no Maracanã, tivemos um vislumbre do que pode ser o nosso futuro. Reunimos o que há de melhor no Brasil e banimos o que há de pior. Houve ordem, mas com criatividade; houve beleza, sem haver desperdício; houve valorização da nossa cultura, sem haver ufanismo; houve sensibilidade, sem haver pieguice; houve até uma mensagem, sem haver sectarismo.

Se ainda não temos esse Brasil, esse é o Brasil que queremos. E, o melhor de tudo, está provado que é o Brasil que podemos fazer.

LÁGRIMAS JAPONESAS
Depois da abertura bem-sucedida, os estrangeiros passaram a elogiar a Olimpíada brasileira. O Rio, que continua lindo, tornou-se ainda mais lindo. E eles são sinceros, quando falam bem do Brasil. Hanako Hiraoka, jovem repórter da TV NHK, de Tóquio, sentiu seus olhos amendoados marejarem, em meio à cerimônia.

– Meus colegas me diziam para parar de chorar, mas eu não conseguia – contou. – Chorei muito, principalmente quando os círculos olímpicos explodiram em folhas verdes de árvores.

Sei que há brasileiros capazes de fazer coisas monstruosas, como aquele criminoso que decepou a mão de outro ser humano em Porto Alegre, dias atrás. Mas também há brasileiros capazes de coisas maravilhosas, tão belas que desmancham até a fleuma oriental.

GISELE, A LEOA
Ainda estou impactado pela visão de Gisele Bündchen ondulando sua beleza dourada na passarela de 128 metros do Maracanã. Sozinha no centro de um Coliseu onde incautos já foram devorados, ouvindo as exclamações de 75 mil bocas, sabendo ser observada por 3 bilhões de pares de olhos, ela avançou com a serenidade orgulhosa do leão e com a elegância do cavalo. Gisele, naquele momento, era isso, era a essência do bicho humano, era o mais belo animal da Terra, como um dia já se disse de Ava Gardner.

A Gisele, basta-lhe andar sobre o mundo para ser uma rainha. Todos, ali, sentiam a volúpia de se humilhar ante aquele ser obviamente superior. Foi difícil reprimir o desejo de se ajoelhar diante de seus scarpins tamanho 41.

ANITTA, A GATA
Anitta também virou bicho, na sexta à noite. Mas de outra espécie: ela era uma gatinha a ronronar entre os dois velhos baianos. Cheguei a temer pela saúde de Gilberto Gil. Um homem nem sempre reúne condições de lidar com certas emoções.

O TAMBOR DO BRASIL
Getúlio Vargas dizia que o Rio de Janeiro é o tambor do Brasil. Valia para os anos 40, quando Chico Viola era o Rei da Voz e o Rio era a capital federal, e vale ainda hoje, na vigência de Brasília e Wesley Safadão.

O Rio é mais cosmopolita, porque só o Rio tem espaço para ser grandioso.

São Paulo é rica, mas é estreita. O Rio se abre para o horizonte, o olhar se estica e se deixa maravilhar com tudo o que a Natureza oferece e o que o homem cria.

Ontem, passei o dia caminhando pelo complexo olímpico que se ergue na Barra da Tijuca e contemplei essa verdade geográfica acerca do Rio. Ali não havia apenas um descampado onde se poderiam plantar arenas desmontáveis. Ali há montanha, mato e água, cortados por largas avenidas asfaltadas. No meio disso, entre o mar e o morro, foram levantados prédios e ginásios de arquitetura primorosa. Senti pena, ao saber que muito daquilo será desfeito, ao cabo dos Jogos. Sei que a ideia é usar o que ficar de pé em projetos educacionais e esportivos. Se isso for levado a sério, o Brasil poderá enfim ter um centro formador de atletas, no futuro, porque, como já disse, haveremos de ter futuro.

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