terça-feira, 23 de agosto de 2016



23 de agosto de 2016 | N° 18615 
DAVID COIMBRA

O Brasil está mudando. Para melhor

Passei pouco mais de dois meses no Brasil. Nessa pequena lasca de tempo, posso dizer que o país que me entregaram é diferente do que entreguei.

O Brasil está mudando rapidamente. Para melhor.

De tudo o que vi no patropi, o sinal mais luminoso dessa melhora foi emitido no mais luminoso dos eventos planetários: a Olimpíada. Numa Olimpíada, o país-sede vira a sede do mundo. Todos estavam olhando para o Rio e para os brasileiros. Todos estavam nos avaliando.

E foi tudo bem.

Problemas houve, é claro, sempre haverá. Na Vila Olímpica, foram registradas, em média, quatro ocorrências de furto por dia. Até medalhas foram roubadas. Os integrantes da delegação da Nova Zelândia, apavorados, decidiram fazer a limpeza dos alojamentos eles próprios. Em outras equipes, como a búlgara, as camareiras chegaram a ser expulsas dos quartos a vassouradas.

Bem. Todos sabemos que essas coisas acontecem no Brasil. No Brasil, rouba-se. Mas, a favor do brasileiro, conta um bom humor que andava meio aprisionado e que se soltou nessas últimas semanas. Foi, de certa forma, uma liberação de nós mesmos.

Há diversos episódios que provam o que digo. Conto alguns.

Sexta-feira à noite, a lua cheia lançando uma luz amarelada sobre o Rio de Janeiro, o calor ameno do inverno dos trópicos convidando ao usufruto da existência, e, mesmo assim, a Arena do Futuro recebia grande público para assistir à semifinal de handebol entre Polônia e Dinamarca.

Na assistência, brasileiros à mancheia. O que eles tinham a ver com a Polônia? O que eles tinham a ver com a Dinamarca? O que eles tinham a ver com o handebol? Nada. Mas eles estavam lá. E, como não tinham nada a ver com uma equipe ou outra, decidiram torcer pelas duas. Gritavam, das arquibancadas:

– Polska-Denmark! Polska-Denmark! Polska-Denmark!

Certamente, os aplicados jogadores da Polska e da Denmark não entenderam lhufas. Quem entenderia?

Dois dias antes, numa das arenas cariocas, foram os americanos que ficaram perplexos com a torcida brasileira. Estados Unidos e Argentina se enfrentavam no basquete. Os torcedores brasileiros, provocando os argentinos, cantavam a musiquinha dos mil gols:

– Mil gols... mil gols... mil gols, mil gols, mil gols... Só Pelé, só Pelé-é...

Os argentinos rebatiam do outro lado. E os brasileiros retrucavam. Foi assim o tempo inteiro. Em certo momento, os jogadores americanos pararam na quadra e ficaram olhando para cima, tentando compreender o que ocorria. Os repórteres dos Estados Unidos procuraram os colegas brasileiros para perguntar o que a torcida cantava. Quando ouviram a resposta, ficaram embasbacados:

– Mas por que eles estão cantando isso num jogo de basquete?...

Imagina se os americanos vissem a luta de boxe que havia ocorrido no dia anterior. Enfrentavam-se um pugilista do Azerbaijão e um do Cazaquistão. O árbitro era um brasileiro com o improvável nome de Jones Kennedy do Rosário. Para quem os brasileiros torceriam: Azerbaijão ou Cazaquistão? Nem um, nem outro: torceram pelo árbitro. Cada vez que Rosário apartava os lutadores, a torcida urrava das arquibancadas:

– Eeeeeeeeeeee!

O confronto terminou com o canto:

– Rosário é melhor que Neymar!

A ironia, a sacanagem, a malandragem, a brejeirice da torcida brasileira foi recuperada na Olimpíada do Rio. Só quem está de bem com a vida é capaz de brincar com tanta inocência e, ao mesmo tempo, com tanta malícia. Que alívio. Estamos indo em frente.

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