30 de agosto de 2016 | N° 18621
DAVID COIMBRA
Discurso de Dilma é o símbolo de uma época
O discurso de Dilma no Senado, ontem pela manhã, foi a expressão verbal da profunda ruptura social que aflige o Brasil nos últimos anos.
Foi um discurso simbólico, não apenas por ser o último de uma era, mas por ter deixado expostos os dramas e as motivações dessa era.
Não por acaso, Dilma falou em misoginia, nos pobres, nos negros e nos gays. É a sovada estratégia de alegar que ela e seu governo são os garantidores da defesa dessas causas, que, na verdade, são do Estado, da sociedade e mais: de toda a humanidade. As questões das minorias não podem ser consideradas de viés ideológico e muito menos partidário. Se forem, as minorias estarão perdidas.
Não por acaso, Dilma se comparou a Getúlio Vargas, o autointitulado Pai dos Pobres.
Vargas, para exercer sua suposta paternidade sobre os pobres, foi o padrasto da democracia. Mas isso se deu nos anos 1930, época dos grandes ditadores salvadores da pátria: Mussolini, Hitler, Stálin, Tito, Mao, Perón, Franco, Salazar. Parte desse populismo foi derrotada na II Guerra Mundial, outra parte com o fim da Guerra Fria. Restou o populismo anacrônico da América Latina e da África subdesenvolvidas. O kirchnerismo na Argentina, o petismo no Brasil e o chavismo na Venezuela são os últimos exemplares desses movimentos. São movimentos que dizem combater ao lado dos pobres, enquanto se cevam na pobreza.
O Brasil, a Argentina e a Venezuela ainda se debatem de dor com o término desse tempo porque, de fato, é dolorido crescer. Mas é uma evolução, porque um povo que precisa de pais e salvadores, como as minorias que citei acima, está perdido.
Ao mesmo tempo, o populismo dos últimos governos gerou um assombroso subproduto: uma direita igualmente antiquada, saudosa da ditadura, que tem ojeriza aos homossexuais e confunde direitos humanos com leniência.
E assim é o Brasil de hoje: um país onde Cuba e Miami ainda representam a luta entre o comunismo e o capitalismo e onde ainda há pessoas que acreditam que, em política, trava-se a luta do Bem contra o Mal.
Dilma já é passado, os governos petistas já são passado, mas a sociedade brasileira continua fraturada. Nosso debate político continua pastoso e ideológico, superficial e pequeno, o brasileiro segue acreditando que o Estado está acima dele e não que ele, cidadão, faça parte do Estado e que ele, de acordo com seu comportamento, faça diferença naquilo que será o Estado.
Passamos por duas ditaduras, vencemos a inflação, estamos para superar o segundo impeachment de um presidente eleito. Haveremos de seguir em frente. O século 21 nos espera.
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