20 de agosto de 2016 | N° 18613
L.F. VERISSIMO
E/I
– Iminência... – Você quer dizer “eminência”.
– O quê? – Você disse “iminência”. O certo é “eminência”.
– Perdão, senhor. Sou um servo, um réptil asqueroso, um nada. Uma sujeira no seu sapato de cetim. Mas sei o que digo. E eu quis dizer “iminência”.
– Mas está errado! Nossa vontade não altera a correção gramatical. O tratamento certo de um rei é “eminência”.
– Não duvido da sua eminência, senhor, mas o senhor também é iminente. Uma iminência eminente. Ou uma eminência iminente.
– Em que sentido?
– No sentido filosófico.
– Você tem dois minutos para se explicar, antes que eu o mande para o calabouço, onde vão os bobos insolentes.
– Somos todos iminentes, senhor. Vivemos num eterno devir, sempre às vésperas de alguma coisa, nem que seja só o próximo segundo. Na iminência do que virá: o almoço ou a morte. À beira do nosso futuro como de um precipício, no qual despencaremos ou alçaremos voo. A iminência é o nosso estado natural. Pois o que somos nós, todos nós, se não expectativas?
– Você, então, se acha igual a mim?
– Nesse sentido, sim. Somos coiminentes.
– Com uma diferença. Eu estou na iminência de mandar açoitá-lo por insolência, e você está na iminência de apanhar.
– O senhor tem esse direito hierárquico. Faz parte da sua eminência.
– Admita que você queria dizer “eminência” e disse “iminência”. E recorreu à filosofia para esconder o erro.
– Só a iminência do açoite me leva a admitir que errei. Se bem que...
– Se bem que?
– Perdão. Sou um verme, uma meleca, menos que nada. Um cisco no seu santo olho, senhor. Mas é tão pequena a diferença entre um “e” e um “i”, que o protesto de vossa eminência soa como prepotência, o que não fica bem num rei. Eminência, iminência, que diferença faz uma letra?
– Ah, é? Ah, é? Uma letra pode mudar tudo. Um emigrante não é um imigrante.
– É um emigrante quando sai de um país e um imigrante quando chega em outro, mas é a mesma pessoa.
– Pois então? Muitas vezes a distância entre um “e” e um “i” pode ser um oceano. E garanto que você terá muitos problemas na vida se não souber diferenciar ônus de ânus.
– Isso são conjunturas.
– Você quer dizer “conjeturas”.
– Não, conjunturas.
– Não é “conjeturas” no sentido de especulações, suposições, hipóteses?
– Não. “Conjunturas” no sentido de situações, momentos históricos.
– Você queria dizer “conjeturas” mas se enganou. Admita.
– Eu disse exatamente o que queria dizer, senhor.
– Você errou!
– Não errei, iminência.
– Eminência! Eminência!
– Está bem, o senhor ganhou... Majestade.
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