quarta-feira, 31 de agosto de 2016


31 de agosto de 2016 | N° 18622 
DAVID COIMBRA

O velho Chico no Senado

Como velho admirador do Chico Buarque, não gostei de vê-lo sentado ao lado de Lula, apoiando Dilma, no Senado da República.

Não porque era Lula, não porque era Dilma; porque era um governo que apoiava. Ou ex-governo, que seja.

Poderia ser qualquer governo, poderia ser o de Temer, de Napoleão, de Obama ou de Churchill, não queria ver Chico se consorciando a ele. Não que um artista não possa ter posição política e manifestá-la. Pode, como qualquer cidadão. Até deve, se achar que deve. Mas todo governo merece a desconfiança do cidadão, e mais ainda de um artista de tal quilate, um contestador histórico, como Chico.

O saudável é que qualquer governo, depois de eleito, seja olhado de lado.

Sempre digo, repito, repetirei: nenhum governo, em nenhuma parte do mundo, em tempo algum, “salvou” uma nação. Governos podem ser bons ou ruins. As grandes nações independem disso. Grandes nações possuem sistemas que funcionam bem mesmo quando seus governos funcionam mal.

O Brasil, no caso do impeachment, está funcionando muitíssimo bem. Não o governo; o Estado. O brasileiro há de se orgulhar disso. O país está amadurecendo com este processo. Vários aprendizados vêm sendo feitos. Um dos mais importantes é que a população e até os políticos estão compreendendo que o poder não é exercido apenas pelo Executivo, ao contrário do que faz crer nossa longa tradição monárquica e ditatorial.

Outro, igualmente importante, é saber a distinção que existe entre o partido que ganhou a eleição, o governo e o Estado. São entendimentos sofisticados. Naquelas famosas gravações de seus telefonemas, Lula, por exemplo, deixou clara a sua tendência de raciocinar como Luis XIV, o Rei Sol, que propagava:

– O Estado sou eu.

Lula, esperando gratidão por indicação de promotores ou submissão da Justiça, tinha certeza de que era assim.

Não é. Nunca foi. Nem o governo era ele.

A maioria da população tem a mesma tendência. Só que as pessoas pensam:

– O Estado são eles.

Também não são. O Estado somos todos nós. Nós, como cidadãos, temos responsabilidades e obrigações, e não apenas direitos. O Estado não é um pai provedor. O Estado é a sociedade organizada de forma a permitir liberdade e segurança a cada indivíduo, dentro da lei.

O processo do impeachment está nos ajudando a compreender essas noções básicas de democracia. É verdade que a choradeira infantil e pouco cidadã dos petistas dizendo que Dilma sofre um golpe atrapalha um pouco essa compreensão, porque transforma o debate em birra. Mas esse discurso ficou restrito aos ressentidos, aos dogmatizados. A população, na verdade, já fez o que tinha de fazer: apeou o sectarismo do poder. Agora, as pessoas estão pensando em coisas mais importantes, como a separação do casal Bonner & Fátima.

É aí que me entristeço um pouco com o papel exercido pelo Chico Buarque no Senado. A obra de Chico é maior do que Dilma, maior do que o PT, maior do que Temer, maior do que o PMDB, maior do que qualquer governo desses que vão e vêm. Ele, Chico, diz que suas músicas de teor político são “datadas”. Não concordo.

Para mim, são imortais. Mas talvez as crenças dele sejam datadas. Talvez ele acredite, ainda, em salvadores da pátria, em Pais de Pobres, em Bons versus Malvados. Paciência. Não vou deixar de gostar das músicas do Chico por isso. Apesar de eu preferir o Chico de ontem, amanhã sempre haverá de ser outro dia.

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