06 de agosto de 2016 | N° 18601
CARPINEJAR
A gentileza é o óleo das relações
Somos educados com estranhos. A ironia é que não somos educados com quem amamos.
Parece que amar é perder o freio da língua, que deixamos de medir as expressões quando estamos à vontade na cozinha, de abrigo e havaiana, conversando com a família, que intimidade é o antônimo de formalidade.
Existe a mania de entender que a convivência traz a possibilidade de falar qualquer coisa a qualquer hora. Conferimos licença para grosserias sob alegação de espontaneidade.
A preguiça atrofia o amadurecimento, abandonar o cumprimento e o agradecimento traduz um completo desprezo a todos que nos acompanham. É também um sinal de pouca humildade, já que nos sentimos superiores a ponto de nem olhar para os lados.
Não acredito que um filho respeitará o pai se não adotar “com licença” e “obrigado” dentro do lar. Nunca abdiquei, por exemplo, do costume de solicitar a bênção para a mãe no momento em que me despeço dela – baixo a cabeça em obediência aos mais velhos e ofereço a minha testa para receber a sua proteção.
A gentileza começa com o dever de casa e se estende aos demais. Quem abdica da cordialidade com a família jamais será genuinamente afetuoso nem absorverá o sábio rigor do silêncio e a pausa de reflexão diante dos erros cometidos.
O rancor surge da falta de controle. A agressividade emerge da ansiedade.
A educação é pensar duas vezes antes de fazer uma bobagem, representa um intervalo entre os impulsos para organizar a emoção. Ela renova o alvará da rotina, reconhecendo o valor daquilo que se tem.
Educação não é frieza, não é censura, mas proteção para não machucar e ferir os mais próximos.
Desfaz mal-entendidos com a paciência da linguagem. Equivale à uma fisioterapia da alma, quando as palavras se apoiam nas barras do cavalheirismo para fortalecer as longas pernas da verdade.
Não canso de avisar de meus movimentos e retribuir os outros pela preocupação comigo.
Não há dia em que não diga “bom dia” para a minha mulher, mesmo que seja redundante. Não há noite em que não diga “boa noite” para a minha mulher, apesar de dormir e despertar sempre com ela. A qualquer pedido que faço, reitero o “por favor”. É para alcançar o sal ou o controle da tevê. Ela não tem obrigação nenhuma em me atender, trata-se de um agrado a ser recompensado igualmente com o meu capricho.
Não é porque nos conhecemos que dispensarei o cuidado. Até porque o tempo de casamento não torna ninguém resistente, somos mais frágeis e vulneráveis quanto mais nos entregamos.
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