02 de setembro de 2014 | N° 17910
MOISÉS MENDES
O
mistério da assinatura
Surgiu um impasse na tentativa de esclarecer de quem é o
jato que caiu com Eduardo Campos. Ninguém reconhece a assinatura que está numa
proposta de compra do avião.
Acharam a proposta, de 15 de maio, e essa pode ser a pista
que faltava. Mas de quem é a assinatura de quem assume a compra do avião?
Levaram o documento a um empresário que seria o comprador. O homem disse não
ter certeza de que a assinatura seja dele.
Não sabe se o avião é dele, se a assinatura é dele, não se
lembra de nada. O homem tem uma financeira, uma fazenda, tem jegues e bodes,
mas não se lembra de que seja dono de um avião.
O problema é a assinatura. Você consegue assinar seu nome?
Eu não consigo mais. Se eu tivesse comprado o jatinho na pressa, como quem
compra uma mula, eu também não reconheceria minha assinatura.
Demoro para desenhar meu nome por falta de exercício. Não se
usa mais assinatura. Você se lembra da última vez que assinou algo? Não se
assina mais cheque, porque o cheque perdeu utilidade. Não se manda carta. Nem
canhoto de cartão de crédito se assina mais.
Só quem usa assinatura é o autorizador de despesas na firma
ou na repartição. Poucas profissões exigem que alguém assine algo no dia a dia.
Juízes, promotores, médicos, ou quem compra aviões com frequência.
A assinatura é quase uma inutilidade no mundo digitalizado.
Mas uma hora é preciso assinar algo.
Um dia, tive de assinar um contrato. O moço do cartório me
dizia: não tente desenhar, solte o braço, relaxe. Eu soltava e não saía.
Olhava minha assinatura na ficha do cartório e tentava fazer
igual. Não saía nada parecido. Percebi, na evolução da minha assinatura, que em
determinado momento meu nome desapareceu do papel e virou outro nome.
Numa etapa seguinte, era uma árvore com galhos secos.
Depois, virou algo semelhante a uma lacraia. E foi sendo comprimida até ficar
parecendo um hieróglifo. Minha assinatura me fez retroceder ao tempo dos
faraós.
É perturbadora a sensação de que você perdeu a capacidade de
se expressar no que mais representa formalmente sua identidade. Seu nome, a
forma como você o escreve, os significados presentes em cada movimento, tudo
pode perder sentido. Suas 56 senhas podem dizer mais de você do que sua
assinatura.
Por isso entendo o drama do homem que comprou o jato e não
consegue assegurar que o avião é seu, tudo por causa de uma assinatura que não
reconhece. Comprou o avião na correria, com essas facilidades de crédito, e não
se lembra de mais nada. Tínhamos um avião sem dono, agora temos também uma
assinatura sem dono. E tudo porque as pessoas não sabem mais assinar o nome.
Eu mesmo, se submetesse minha assinatura a um intérprete de
grafias, poderia descobrir que sou outra pessoa. Talvez minha assinatura esteja
tentando dizer que sou a reencarnação ou o herdeiro de um egípcio poderoso
(você já viu um reencarnado de alguém pobre?).
Posso não ter avião, mas posso, sem saber, ser herdeiro de
desertos turísticos, oásis, camelos e pirâmides. Preciso procurar um advogado.
Só não posso errar a assinatura na hora da procuração.
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