14
de setembro de 2014 | N° 17922
CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
NÃO VENHA COM
BEIJINHOS
No
meu bolso dormia um livro... de bolso! Dou prioridade a livros de bolso, quando
viajo. Não pesam tanto na mala, são fáceis de carregar e de ler naquela
poltrona apertada do avião. A coleção pocket da L&PM é uma pérola luzidia,
mas gosto também dos romances noir de antigas séries americanas, de capa mole e
papel amarelo. Era um desses que trazia comigo naquele dia, no aeroporto de Atlanta.
Lembro exatamente qual era: Objetivo: Assassinar, de James Hadley Chase. Lembro
porque, quando pus o passaporte no balcão do posto da Polícia Federal, o agente
sorriu e apontou para o meu bolso:
–
Ah, esse é um clássico!
Sorri
de volta, puxei o livro do bolso do casaco e mostrei para ele. O subtítulo
contava: “Para Meg, um homem bastava; mas ela tinha três...” Essa Meg...
Francamente.
Como
estava escrito em português, o agente não deve ter entendido lhufas, mas,
sorrindo, ele me fez sinal para passar.
Literatura
policial abre fronteiras.
Havia
outros romances noir comigo, a maioria do Ed McBain. Uma vez, o Gerbase “correu
as livrarias” de Porto Alegre, como se diz em Portugal, atrás de livros do
McBain. Conta ele que, em todo lugar, lhe diziam:
– O
David Coimbra já levou todos.
Lamento,
Gerbase, eles estão aqui comigo. Mas, como já os li, manda teu endereço, que
VOU PENSAR se te envio alguns de presente.
Ed
McBain escreveu mais de 80 livros com a 87ª Delegacia de Isola como cenário.
Seu principal detetive era Steve Carella. O curioso é que McBain, no começo,
tinha certa vergonha de escrever esses romances noir. Tanto que não os assinava
com o nome com o qual queria se consagrar como grande escritor: Evan Hunter.
E
nem Evan Hunter era o nome dele de verdade. Ele se chamava Salvatore Lombino,
era de origem italiana e deve ter mudado o nome para fazer sucesso nos Estados
Unidos.
Aí é
que está. Nomes americanos em geral não terminam em vogais. Eles gostam de
nomes estranhos, os americanos. Outro dia, meu filho chegou da escola e contou:
– O
meu colega. Ele se chama Amos.
Pisquei:
– Amos? Meu filho balançou a cabeça, devagar:
– É
o nome dele...
É
assim que é. Americanos se chamam Amos, Shay, Mahon, Ethan, Wyatt, Jayden,
Brody. O aeroporto de Boston tem o nome de uma pessoa: Logan.
De
onde eles tiraram esses nomes? Não há correspondência em português, imagino,
assim como não deve haver correspondência em inglês para Rosicleide. Para João
há correspondência: John. Mas um americano jamais, jamais!, conseguirá
pronunciar “João”. Então, os joões, aqui, se tornam Johns e os “Davis”,
“Deivids”.
Era
isso que queria dizer: que Ed McBain não deve ter se tornado Ed McBain por
temer preconceito contra italiano. Frank Sinatra era italiano, tinha nome
terminado em vogal. No começo da carreira, um empresário quis lhe americanizar
o nome e ele embestou: seria sempre Sinatra. Foi sempre Sinatra, e foi grande.
Acontece
que são muitas as etnias que formam os Estados Unidos, mais, muito mais do que
as que formam o Brasil. Em comparação com os Estados Unidos, o Brasil é um país
de pouca variação étnica. Por aqui você encontra facilmente gente vinda de
países que a maioria dos brasileiros nem sabe que existe. Tenho um colega de
aula que é da Moldávia. Ele estuda morcegos. Sabia que a Moldávia é perto da
Transilvânia, a terra do Drácula?
A
sociedade americana é porosa, muito permeável a estrangeiros, os americanos são
gentis e hospitaleiros, mas... são diferentes dos brasileiros em alguns hábitos
de convivência. Aí vão alguns, se você estiver pensando em vir para cá:
1.
Americanos acham muitíssimo esquisito dar um, dois ou três beijinhos no rosto
de qualquer pessoa como cumprimento. Você vai dar beijo em alguém e a pessoa se
afasta: “Que é? Esse cara quer me beijar??? Roçar os lábios em mim??? Que ideia
é essa???”.
2.
Tocar outra pessoa também não é boa ideia. Dar tapinha no ombro de um americano
pode fazer com que ele se sinta agredido e criar um incidente internacional.
3.
Fazer contato visual é uma experiência interessante: os americanos, mesmo
desconhecidos, sorriem e cumprimentam quem olha para eles na rua. Mas isso não
quer dizer que esperem tapinha no ombro ou três beijinhos.
4.
Perguntas pessoais também não são bem aceitas. Ouvi uma americana responder
assim para um turco que perguntou quantos anos ela tinha: “Tenho entre 21 e 29
anos”.
5.
Cafés e restaurantes têm costumes curiosos. Você terminou de jantar num
restaurante, gastou 80 doletas e está pensando em pedir um dry Martini com três
azeitonas para rebater aquelas costeletas de porco, mas o garçom vem correndo e
coloca a conta na sua frente. Eles querem que você vá embora logo. Agora, se
você está num café e gastou três dólares num cappuccino, pode abrir seu laptop
e ficar trabalhando ali durante o resto da tarde, que ninguém vai incomodá-lo.
Os cafés estão cheios de gente trabalhando e estudando ao lado de seus copos de
papel com café fraco.
Vá
entender...
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