29
de setembro de 2014 | N° 17937
L.
F. VERISSIMO
Detalhes,
detalhes
Há
momentos de grave introspecção em que um homem faz um inventário de si mesmo –
seus sonhos, suas desilusões, suas possibilidades e onde diabo ele enfiou o
chaveiro e o antiácido – e se faz perguntas. Valeu a pena? Devo continuar? Quem
sou eu, e por que estou falando sozinho? Desta espécie de promontório filosófico,
ele avista o caminho que já percorreu e o caminho que ainda precisa andar ou,
se tiver sorte e aparecer um táxi, rodar.
O
Brasil já teve várias oportunidades de, por assim dizer, afastar-se de si
mesmo, examinar-se, decidir o que precisava ser feito, ajustar a gola da camisa
e ir em frente. Falam que os nossos partidos políticos não significam nada como
se isto fosse um grande defeito, e é uma das nossas vantagens sobre países mais
ortodoxos e sem graça.
Ou
seria uma vantagem se fosse aproveitada. Nada está preestabelecido na nossa
política, não temos compromisso com nenhuma forma de coerência, podemos ir
inventando nosso destino no caminho. Mas nosso distanciamento crítico raramente
leva à sabedoria. Nossos momentos de introspeção geram curiosidades – um maluco
que foge da Presidência, um atleta que é corrido da Presidência, um torneiro
mecânico que sucede a um sociólogo como se fosse a coisa mais natural – sem um
mínimo de lógica ou fidelidade a princípios rígidos ou até a preconceitos
claros.
Como
o Brasil, também deveríamos nos reavaliar e nos reinventar, e praticar, a
intervalos, uma espécie de escafandrismo interior para descobrir o que somos, o
que fizemos e deixamos de fazer, como continuar, como parar e como votar –
mesmo sabendo que só uma pequena parte do nosso destino é decidida por nós e
que o acaso e a natureza decidem o resto.
E
devemos nos consolar com o seguinte pensamento: só um detalhe nos separa da
fortuna e da solução de todos os nossos problemas. Foi a mãe do Bill Gates que
teve o Bill Gates, não a nossa. E você acertar todos os números de uma Sena
acumulada menos um, esse um é o detalhe. Esse um decide o seu destino.
O
detalhe é como o vidro de um aquário. Um vidro com poucos milímetros de
espessura através do qual você vê claramente os peixes coloridos e as plantas
exóticas do outro lado. Os milímetros do vidro do aquário separam dois mundos
inteiramente diferentes. Só um detalhe parecido separa você de outra vida.
TCHAU
Vou
tirar férias. Sem foguetes, por favor. Volto no dia 2 de novembro. Até lá.
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