09
de setembro de 2014 | N° 17917
FABRÍCIO
CARPINEJAR
A triste e incrível decadência dos
meus cabelos
Meu
bisavô é careca. Meu avô é careca. Meu pai é careca.
Sempre
usei a desculpa da genética para fundamentar a minha calvície.
Estava
destinado ao orfanato, ao lustre infinito da testa devido à maldição do DNA.
Não
haveria como lutar contra a queda. Assumi, desde cedo, a batalha vã e inútil.
Mas
não sou bobo. Álibis e justificativas à parte, tenho consciência de quanto os
cabelos sofreram em minhas mãos. Ajudei a devastação. Apressei o desprezo. Uma
esponja de aço seria melhor cuidada.
Lavei
meus cabelos com barra de coco, xampu de ovo, dois em um, três em um, sabonete
de glicerina.
Na
infância, ele recebeu camadas consecutivas de neocid e de álcool.
Enfrentei
piolhos, bactérias e fungos da pior forma: dizimando o jardim.
Prendi
pontas com chiclete, arranquei pontas ao pentear com pressa.
Cortei
sozinho, penico, me candidatei a experimentos de cabeleireiros.
Eu
passei camomila, parafina, fiz luzes, acelerei o redemoinho.
Usei
gel para endurecer, usei gosma para umedecer.
Não
seguia a lua, desdenhava o sol, não me alimentava direito.
Jamais
cuidei de meus cabelos.
Tomava
banho fervendo diariamente, dormia com a cabeleira molhada, adotei o
travesseiro como toalha.
Em
meus 40 anos, experimentei fase hippie, metaleira, surfista, sertaneja, punk,
argentina.
Apresentei
topete, mullets, arbusto até a cintura.
Tapei
as orelhas, mostrei as orelhas.
Meu
destino era ser Chico Xavier de peruca.
Eu
não mereci meus cabelos.
Eles
eram fáceis de modelar: loiros, lisos, abastados. Mas não tive nem um pouco de
juízo.
Na
verdade, sofria de inveja dos meus cabelos. Ciúme dos meus cabelos. Dor de
cotovelo dos meus cabelos.
O
que fazer quando a moldura é mais vistosa do que o quadro?
Meus
cabelos lindos só lembravam que a pintura era ruim. Meus cabelos lindos
destoavam do desastre de meu rosto.
Não
tinha sentido ser um John Malkovich com mechas de Marilyn Monroe. Matei a drag
queen em mim.
Não
poderia aceitar um cabelo mais bonito do que eu.
Hoje
sou todo feio. Redondamente feio. Sem nenhuma incoerência.
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