11
de setembro de 2014 | N° 17919
MOISÉS
MENDES
Saudade dos
comícios
Às
vezes, de repente, tenho vontade de ir a um comício. Uma vontade banal, como a
de comer rapadura olhando um jogo da série C na TV. Ainda temos rapaduras, mas
não temos mais comícios.
Acabaram
com os comícios. Um discurso ao vivo, de improviso, podia surpreender. Não
tinha marqueteiro nem frase feita por assessor. Os comícios foram a última
manifestação autêntica da política.
Acabaram
com os comícios como acabam com coisas úteis ou inúteis que usamos por algum
tempo, convencidos de que nunca mais se viverá sem aquilo. Vou dar exemplos.
Aí
pelos anos 80, os ocupantes de um carro corriam sérios riscos se não houvesse
um rabicho preso embaixo do para-choque traseiro. Era uma tira de borracha que
encostava no chão. Fazia a função de um fio terra, para descarregar a energia
estática.
Carros
com rabichos evitavam que as pessoas levassem choque nos dedos quando fechavam
as portas. No começo, era estranho ver os carros arrastando aquela tira, como
se fosse um rabo de tartaruga.
Motoristas
de carros sem rabicho mereciam comentários categóricos. Que irresponsável, será
que não teme ser eletrocutado? Não pensa nos filhos?
O
rabicho era a maior descoberta da humanidade depois da camisa Volta ao Mundo.
Tinha rabicho duplo, com ponteira arredondada, reforçado com aço. O rabicho,
além de evitar choques, deixava a pessoa mais leve.
Sem a
energia acumulada, todos os ocupantes do carro ficavam bem-humorados.
Casamentos foram salvos pelo rabicho. Motoristas brigavam menos com os filhos e
a sogra em viagens longas.
O
que gastamos de tempo e dinheiro com as teorias em torno do rabicho. Até que um
dia alguém decidiu que não usaria mais os rabichos e os rabichos foram sumindo.
Era o fim de mais uma invenção inútil da humanidade. Muita gente ficou
milionária vendendo rabichos.
Tempos
depois, começaram a desaparecer as calhas das portas dos carros. As montadoras
extinguiram a calha que havia no alto da lataria das portas, por onde escorria
a água da chuva. O Fiat Uno parece ter sido o primeiro a vir sem calhas.
Foi
um retrocesso. Hoje, abre-se a porta e a água escorre para dentro do carro. A
calha, ao contrário do rabicho antichoque, tinha muita utilidade.
Os
carros também não têm mais o puta-merda no painel. Era uma alça que ajudava no
equilíbrio do carona, no caso de uma freada brusca ou de uma curva acentuada.
Por que acabaram com o puta-merda?
Mas
a maior desinvenção na área automobilística foi o fim da câmara de ar. Como os
carros rodaram por décadas com pneu com câmara?
Quem
descobriu que um pneu sem nada dentro bastava para conservar o ar? Quem foi o
borracheiro que esqueceu de colocar a câmara e com isso fez a descoberta ao
acaso?
A
véspera da primavera nos provoca com dúvidas profundas e vontades estranhas,
como essa vontade repentina de ir a um comício.
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