quinta-feira, 11 de setembro de 2014


11 de setembro de 2014 | N° 17919
VIDA DIGITAL VICIADOS EM SMARTPHONE

SÓ PENSAM NAQUILO

ESPECIALISTAS QUEREM QUE a nomofobia, o mal-estar ou ansiedade apresentado quando pessoas estão longe de seus celulares, seja incluída em guia para diagnóstico de doenças mentais

Com o olhar disperso, as mãos suadas, dificuldade de conversar e uma ansiedade evidente em cada movimento do corpo, Thaise Souza desabafou:

– Não aguento mais. Eu preciso dele.

O pedido angustiado da estudante de 17 anos, feito enquanto conversava com ZH, poderia ser comparado ao de um dependente de drogas. Mas vinha de alguém que estava há apenas cinco minutos distante do smartphone. Ainda que pareça exagerado, esse tipo de reação não é incomum entre crianças, adolescentes e adultos. Eles são o que muitos especialistas batizaram de vítimas da dependência digital, e teriam o que a ciência diz poder ser, sim, um tipo de vício.

No caso dos smartphones, o fenômeno já ganhou até nome próprio: nomofobia. O termo vem da expressão “no-mobile fobia”, e se refere ao mal-estar ou ansiedade apresentados quando essas pessoas não estão com seus celulares. A definição foi cunhada há alguns anos na Inglaterra, após uma pesquisa da empresa SecurEnvoy mostrar que 66% dos ingleses sofriam do medo de perder ou estar longe dos seus telefones celulares.

Há pouco mais de um mês, uma publicação da Escola de Saúde Pública da Universidade de Gênova, na Itália, indicou que a nomofobia deveria ser incluída na próxima versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, adotado como principal guia internacional para o diagnóstico das doenças mentais.

Para Thaise, somente a ideia de ficar distante do aparelho, mesmo que esteja com ele nas mãos, é assustadora. A jovem não desgruda do smartphone nem para tomar banho.

– Eu estabeleci que ficaria até uma e meia da madrugada acordada com o celular, porque estava prejudicando meu sono e eu chegava muito cansada na escola. Só que não consigo cumprir com a promessa. Ontem fiquei até as 3h acordada com ele.

A menina não larga o smartphone nem para comer.

– Logo pode ser o caso de levar ela em um psicólogo, já que ela nem conversa mais direito com a gente de tanto que fica no aparelho. E com as amigas dela é igual. Elas ficam bitoladas – desabafa a mãe de Thaise, a técnica de enfermagem Patrícia Souza.

FENÔMENO APARECE EM PESQUISA DE 2012

A nomofobia foi apontado em pesquisa realizada em 2012 na França. O estudo mostrou que 34% dos jovens de 15 a 19 anos por lá achavam “impossível” ficar mais de um dia sem celular. Quando os números se referem ao Brasil, a situação não parece ser muito diferente. Atualmente, há mais de 276 milhões de aparelhos celulares com linhas ativas no país, o que ultrapassa em mais de 70 milhões o número de brasileiros. E a quantidade de usuários com um comportamento abusivo supera os 20%, garante o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, autor do livro Vivendo Esse Mundo Digital e coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas de São Paulo:

– O celular é entendido como um elemento de contato social, de recreação e de trabalho. Dentro dele acaba existindo uma perspectiva de uso descontrolado ainda maior que na internet, já que é portátil, ou seja, pode ser levado para qualquer lugar. Ele é, além de tudo, um vetor de outras adições, como o uso compulsivo de jogos de internet.

É pela variedade de usos que a dependência não mede idade, raça, classe social nem nacionalidade. Para o psiquiatra Vitor Breda, membro do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat) de Porto Alegre, não é possível traçar um perfil único de quem apresenta problemas relacionados à dependência – um indivíduo que utiliza redes sociais de forma excessiva pode ser bastante diferente daquele que pratica jogos online.


jaqueline.sordi@zerohora.com. br

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