22
de setembro de 2014 | N° 17930
L.F.
VERISSIMO
Pós-Fukuyama
Francis
Fukuyama (lembra dele?) decretou o fim da História com a vitória definitiva das
forças do mercado contra o dirigismo econômico. A sua foi uma das frases mais
bem-sucedidas do século passado. O muro de Berlim caíra em cima do que restava
das ilusões socialistas, a frase não tinha resposta e o capitalismo desregulado
não tinha mais inimigos. Dominaria o planeta e nossas vidas pelos próximos milênios.
Como
o próprio Fukuyama reconheceu mais tarde numa revisão da sua sentença, a História
reagiu. O capital financeiro predatório mantém seu poder de ditar a moral e os
costumes da época, mas não tem mais a certeza de um futuro só deles nem a bênção
da filosofia sintética e incontestável do Confúcio da direita. Se pela História
tornada irrelevante Fukuyama queria dizer contradição e conflito, tudo que
aconteceu no mundo depois da publicação do seu livro desmentiu sua premissa. Mostrou
que a História está viva, forte e irritadíssima. Nenhuma senhora, ainda mais
com sua biografia, gosta de ser declarada inválida antes do tempo.
A
crise provocada pelo capital financeiro fora de controle levou protestantes
para as ruas na Europa e nos Estados Unidos e transformou “austeridade”, a solução
receitada para as vítimas da crise, em palavrão. Ninguém quer pagar, com o sacrifício
de gastos sociais, por uma porcaria que não fez. E cresce a busca por
alternativas para os dogmas neoliberais e pelo fim do monólogo dos donos do
dinheiro.
E o
papel da esquerda na História pós-Fukuyama? O socialismo está numa crise de
identidade. Como é difícil, hoje, recuperar o sentido antigo, sem
qualificativos, de uma opção pelo socialismo, as pessoas se entregam à autorrotulagem
para se definirem exatamente (sou dois quartos de esquerda-esquerda, um quarto
de centro-esquerda e o outro quarto devem ser gases), o que só atrasa as
discussões que interessam. Quais são os limites da coerência ideológica e do
pragmatismo? O que ainda pode ser resgatado das ilusões perdidas? Por que não
se declarar logo um neo-neoliberal e ser feliz?
Num
livro recém publicado, a ex-mulher do François Hollande revela que ele tem
horror a pobre. Se pode sobreviver a Francis Fukuyama, a François Hollande e a
partidos políticos brasileiros que se chamam de “socialistas” com uma certa
imprecisão semântica, o socialismo ainda tem um futuro, mesmo que seja apenas
um apelido conveniente para o que se quer. A escolha continua sendo entre
socialismo e barbárie. Pode-se não saber mais o que é socialismo, mas para
saber o que é barbárie basta abrir os olhos.
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