09
de setembro de 2014 | N° 17917
DAVID
COIMBRA
O CEDILHA, ESSE
MISTERIOSO
Xucro se escreve com xis. Mas bem poderia ser com cê
agá. Chucro. Porque essa palavra foi tomada da língua inca, o quíchua, e os
incas falavam chucru, que é o bicho brabo, não domesticado.
Por
que razão fomos pedir auxílio a uma palavra dos incas e como ela foi se radicar
no Brasil, isso é que não sei. Suponho que deva ter sido coisa dos espanhóis,
que, eles sim, tiveram contato com os incas. Então, os espanhóis gostaram do
chucro, assimilaram-no e o contrabandearam para o Brasil através da fronteira
com o Uruguai ou com a Argentina, tendo, então, o chucro se transformado em
brasileiríssimo xucro.
Deve
ser assim, mas suspeito que o Professor Moreno tenha lá uma explicação muito
mais plausível e é bem possível que eu esteja escrevendo bobagem, é bem
possível até que o melhor seja escrever chucro e não xucro. Cristo! Por favor,
Professor Moreno, elucide essa questão para mim e para os queridos leitores em
sua mui lida e prestigiosa coluna. Aliás, anote aí outra dúvida: é melhor prestigiosa
ou prestigiada?
Escrevo
todos os dias, quase que o dia inteiro; quando não escrevo, leio. E, ainda
assim, as dúvidas me angustiam. Como queria ser igual ao Professor Moreno. Se
fosse, o cedilha, por exemplo, não seria um mistério para mim. Por que nunca
ninguém me disse quem é realmente o cedilha? Ele não está no alfabeto. O K, o W
e o Y, mesmo que banidos do alfabeto brasileiro, esses podem ser recitados de A
a Z, nós sabemos que o K fica depois do J e antes do L, que o W e o Y se
repoltreiam lá no fim da fila, perto do Z e do X, que também são exóticos, mas
e o cedilha?
Onde
fica o cedilha? Por que ele não aparece no alfabeto? Se é só o cê com uma
perninha, por que o quê é citado no alfabeto e tem todo esse prestígio de até
começar palavras e verbos importantes, como querer, enquanto o humilde cedilha
jamais começará palavra alguma? Não entendo. Ah, se eu fosse o Professor
Moreno...
Mas
vou parar por aqui. Se continuar a derramar minhas dúvidas sobre o Professor
Moreno, não sobrará espaço para ele respirar, nem para eu escrever o que quero.
Quero
falar do Xucro. O Bugre Xucro. Alcindo Martha de Freitas, talvez o melhor
centroavante que vi jogar, e olha que vi Romário, vi Ronaldo, vi Reinaldo, vi
Careca. Alcindo jogava tanto que Pelé pediu sua contratação pelo Santos. Pois
Alcindo me contou, um dia, que treinava assim: pegava a bola e ia para cima do
Aírton Pavilhão. Aírton tentava tirar a bola dele, ele tentava driblar Aírton.
Porque era desse jeito: o zagueiro marcava o centroavante, o lateral marcava o
ponteiro, o centromédio marcava o ponta-de-lança. Lembra daquela anedota? O
lateral foi se alistar no exército e, na entrevista de circunscrição,
perguntaram:
– O
que você faz?
E
ele: – Eu marco ponta.
Lateral
marcava ponta. Ponto. E zagueiro marcava centroavante. Ponto também. Mas um dia
alguém colocou um zagueiro na sobra. Eram dois a marcar o centroavante. Outro
dia, alguém teve a ideia de botar mais um centromédio no time, para ajudar os
laterais na marcação de seus pontas. Assim, os times foram recuando, tirando
gente da frente e mandando para trás. Foi desta forma que o ponta se
transformou nesse negócio de “atacante de velocidade”, porque era preciso ter
só um, e não dois, então o cara corre ora na direita, ora na esquerda, ora no
meio. Foi desta forma, também, que os pontas-de-lança desapareceram do futebol
brasileiro, embora todo mundo sinta falta deles, como o K, o Y e o W fazem
falta no alfabeto.
Luiz
Felipe tem, no Grêmio, um ponta: Dudu. E um ponta-de-lança: Luan. O que poderá
fazer com eles? Não sei. Mas Luiz Felipe decerto que sabe. Certos conhecimentos
são privilégio exclusivo de grandes especialistas, como Luiz Felipe e o
Professor Moreno, como queria ser como o Professor Moreno.
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