19
de setembro de 2014 | N° 17927
DAVID
COIMBRA
Não faz
diferença
É
fácil resistir a tentações quando não se é tentado. Alguém já lhe ofereceu um
milhão para você cometer algum deslize? Ou melhor: algum deslize seu vale um
milhão?
Por
isso a oposição em geral é imaculada. A oposição não sofre as tentações do
poder, porque não tem poder.
É
divertido ver um candidato inofensivo espinafrar um candidato cachorro grande.
O candidato é inofensivo, nunca teve poder e, por ser inofensivo, nunca teve
sua vida devassada, ele pode ser agressivo à vontade. Marina Silva até
anteontem era inofensiva, era o São José entre a dupla Gre-Nal. Todos a achavam
a bondade vinda a bailar da mata amazônica. Mas Marina cresceu, e assim
tornou-se o próprio Mal.
Industriosos
profissionais da difamação alheia puseram-se a trabalhar para desmoralizá-la.
Lembro-me de quando o Brizola era ameaça. Conseguiram adesivar nele a imagem de
ultrapassado, de político oportunista que fazia aliança com qualquer um.
Brizola morreu, deixou de ser ameaça, e assim tornou-se um símbolo de esquerda
lúcida e patriótica.
Será
que Marina cederá às tentações se chegar ao poder? Será possível chegar ao
poder no Brasil, e manter-se no poder, sem se corromper?
O PT
tinha essa proposta, nos anos 80. Não tinha projeto, tinha uma única proposta,
resumida em dois pontos comuns: não fazer alianças espúrias e não ceder às
tentações do poder. Parece pouco, não é. Um governo ilibado, mesmo que sem
imaginação, seria o suficiente para mostrar ao Brasil que a resposta à pergunta
que fiz no parágrafo anterior é “sim” e, sendo “sim”, indicaria o caminho a
seguir. Nenhum país do mundo foi feito só de bons governos. Ser bom ou ruim é
até secundário se as regras forem cumpridas.
O
problema é que, para realizar o prometido, o PT precisava chegar ao poder. Mas
como? Foi feito, então, um trabalho criterioso e competente. O PT tentou e
conseguiu instalar-se em quase todos os setores da sociedade organizada: nos
sindicatos, na Igreja, nas universidades, em associações de bairro e de
classes, em miríades de organizações não governamentais financiadas pelo
governo.
Só
que não foi o suficiente, o Brasil é muito variado. Então o PT cortejou os
partidos mais ao centro, depois os mais à direita e até chegar aos da ponta
direita. Finalmente assentado no poder, e a fim de mantê-lo, o PT consorciou-se
com Collor, Renan Calheiros, Maluf, Sarney et caterva, e tudo ficou a mesma
coisa, o PT era igual aos outros e não podia mais voltar atrás: havia feito
alianças espúrias e cedido às tentações do poder.
Há
muitos homens íntegros no PT, e eles não estão satisfeitos com isso, mas eles
acreditam que, continuando no poder, podem compensar os erros do partido com
ações em defesa dos menos favorecidos. Não muito diferente de Getúlio Vargas,
que justificava sua ditadura com as medidas progressistas que tomou em defesa
dos trabalhadores do Brasil.
Mas
não é assim que funciona. A corrupção e o cinismo entortam uma nação tanto
quanto a ditadura. É como um pai que sabe prover e não sabe dar o exemplo.
Os
petistas dignos, que, já disse, são vários, vivem de outra ilusão
justificatória: a de que existe uma disputa ideológica no Brasil. De um lado
estariam os petistas com consciência social, a esquerda, e de outro os tucanos
defensores do capital, a direita. Curiosamente, os tucanos dignos, que também
os há, vivem de ilusão semelhante: a de que eles são a social-democracia moderna
enfrentando o comunismo atrasado.
Não
é nada disso. Ao fim e ao cabo, tucanos, petistas e apoiadores de Marina Silva,
todos eles estão apenas lutando pelo poder, sem nenhuma consistência
ideológica, sem nenhum projeto, sem nada de novo a dizer, e aquele monumento ao
desperdício erguido no deserto do Planalto Central, que é Brasília, não passa
de uma gigantesca agência de empregos.
Não
faz diferença. Nós, aqui, brasileiros comuns, sabemos que não faz diferença.
Ideologia: eles bem que queriam ter uma pra viver.
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