14
de setembro de 2014 | N° 17922
L.
F. VERISSIMO
Vertentes
Eu
também não poderia mais viver sem o computador e suas mágicas, como o e-mail, o
Google e o jogo de paciência eletrônico, mas isso não quer dizer que me rendi
totalmente à cultura digital. E minha implicância com domínio da informática
sobre os nossos meios e modos me levou a ler sobre suas origens, para conhecer
melhor o monstro.
Uma
das suas raízes está, veja só, na Revolução Francesa. Quando os nobres de Paris
perderam, literalmente, a cabeça, as cabeleireiras da cidade ficaram sem
emprego. E foi a esta mão de obra subitamente ociosa que monsieur Gaspard Riche
de Prony recorreu quando inventou uma espécie de linha de montagem matemática
para recalcular tabelas numéricas, já que a nova República adotara o sistema
decimal.
De
Prony se inspirou em Adam Smith, que no seu A Riqueza das Nações usa a divisão
de trabalho numa fábrica de alfinetes como exemplo de racionalização
industrial. As moças recrutadas por De Prony só precisavam saber somar e
subtrair, a inteligência estava na organização do seu trabalho, que lhes
permitia fabricar logaritmos como alfinetes.
Quando
o matemático inglês Charles Babbage visitou a “fábrica” de De Prony em Paris,
se deu conta de que as cabeleireiras podiam ser substituídas pelos dentes de
uma engrenagem, e uma máquina poderia fazer o mesmo trabalho. E inventou o que
chamou de “Difference Engine”, o primeiro calculador mecânico bem-sucedido
(máquinas de calcular rudimentares tinham sido boladas, por Pascal e Leibniz,
entre outros, desde o século 17). Assim, nas origens do computador moderno,
está o Terror.
Um
livro chamado The Bride of Science, a noiva da Ciência, descreve outra
surpreendente vertente da informática. Augusta Ada Byron, condessa de Lovelace,
era filha do poeta Lord Byron. Teve uma vida agitada como a do pai, que morreu
quando ela tinha oito anos, mas enquanto ele foi a personificação do poeta como
herói e anti-herói romântico, escravo da paixão e dos sentidos etc., ela ficou
famosa como gênio matemático.
Credita-se
a ela a invenção da aritmética binária, embora o livro lhe atribua o valor
maior de transformar as experiências do seu patrono Babbage, com seus
protocomputadores, em linguagem acessível, praticando o que o autor chama de
“ciência poética”.
Além
do lirismo, Ada herdou do pai a megalomania e o gosto pelo excesso, recorrendo
ao ópio para amainar suas compulsões. Entre elas, a do jogo, no qual perdia
fortunas, apesar dos seus métodos matemáticos. Numa carta para Babbage,
escreveu: “Quanto mais estudo, mais irresistível sinto que será o meu gênio.
Não acredito que meu pai tenha sido, ou jamais poderia ter sido, mais Poeta do
que eu fui Analista”.
Ada
pediu para ser enterrada ao lado do pai que a abandonara recém-nascida. Morreu,
de câncer, com a mesma idade do pai: 36 anos.
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