sábado, 13 de setembro de 2014


14 de setembro de 2014 | N° 17922
L. F. VERISSIMO

Vertentes

Eu também não poderia mais viver sem o computador e suas mágicas, como o e-mail, o Google e o jogo de paciência eletrônico, mas isso não quer dizer que me rendi totalmente à cultura digital. E minha implicância com domínio da informática sobre os nossos meios e modos me levou a ler sobre suas origens, para conhecer melhor o monstro.

Uma das suas raízes está, veja só, na Revolução Francesa. Quando os nobres de Paris perderam, literalmente, a cabeça, as cabeleireiras da cidade ficaram sem emprego. E foi a esta mão de obra subitamente ociosa que monsieur Gaspard Riche de Prony recorreu quando inventou uma espécie de linha de montagem matemática para recalcular tabelas numéricas, já que a nova República adotara o sistema decimal.

De Prony se inspirou em Adam Smith, que no seu A Riqueza das Nações usa a divisão de trabalho numa fábrica de alfinetes como exemplo de racionalização industrial. As moças recrutadas por De Prony só precisavam saber somar e subtrair, a inteligência estava na organização do seu trabalho, que lhes permitia fabricar logaritmos como alfinetes.

Quando o matemático inglês Charles Babbage visitou a “fábrica” de De Prony em Paris, se deu conta de que as cabeleireiras podiam ser substituídas pelos dentes de uma engrenagem, e uma máquina poderia fazer o mesmo trabalho. E inventou o que chamou de “Difference Engine”, o primeiro calculador mecânico bem-sucedido (máquinas de calcular rudimentares tinham sido boladas, por Pascal e Leibniz, entre outros, desde o século 17). Assim, nas origens do computador moderno, está o Terror.

Um livro chamado The Bride of Science, a noiva da Ciência, descreve outra surpreendente vertente da informática. Augusta Ada Byron, condessa de Lovelace, era filha do poeta Lord Byron. Teve uma vida agitada como a do pai, que morreu quando ela tinha oito anos, mas enquanto ele foi a personificação do poeta como herói e anti-herói romântico, escravo da paixão e dos sentidos etc., ela ficou famosa como gênio matemático.

Credita-se a ela a invenção da aritmética binária, embora o livro lhe atribua o valor maior de transformar as experiências do seu patrono Babbage, com seus protocomputadores, em linguagem acessível, praticando o que o autor chama de “ciência poética”.

Além do lirismo, Ada herdou do pai a megalomania e o gosto pelo excesso, recorrendo ao ópio para amainar suas compulsões. Entre elas, a do jogo, no qual perdia fortunas, apesar dos seus métodos matemáticos. Numa carta para Babbage, escreveu: “Quanto mais estudo, mais irresistível sinto que será o meu gênio. Não acredito que meu pai tenha sido, ou jamais poderia ter sido, mais Poeta do que eu fui Analista”.


Ada pediu para ser enterrada ao lado do pai que a abandonara recém-nascida. Morreu, de câncer, com a mesma idade do pai: 36 anos.

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