26 de setembro de 2014 |
N° 17934
DAVID COIMBRA
Eles nos protegem
Quando algum amigo geme de medo
de que esse ou aquele candidato seja eleito presidente, ofereço sempre o mesmo
consolo:
– Não te preocupa. O Congresso
nos protege.
Porque, embora o Executivo tenha
tantos poderes no Brasil, como tem, o Legislativo é a verdadeira coluna de
sustento da democracia. O presidente, qualquer presidente, quase sempre é
acossado por gana autoritária. Raros resistiriam à tentação de se tornar
ditadores, se pudessem.
O Brasil teve um presidente
democrata de raiz, Itamar Franco. Os outros... Os tucanos meteram o bico em
locais infectos para dar mais quatro anos a Fernando Henrique, todos sabem, e
os petistas volta e meia fazem uma tentativa bolivariana, com seus plebiscitos
e conselhos vários.
Essa estratégia de plebiscitos e
conselhos é a mais perigosa, porque tem aparência de abertura democrática,
quando, na verdade, sua intenção é solapar o Legislativo e, assim, solapar a
democracia representativa. O argumento dos governistas é insidioso: eles juram
que esses conselhos dariam mais oportunidades de participação “ao povo”.
Bastaria que “o povo” se dispusesse a integrar os conselhos para, desta forma,
decidir os rumos da sua própria vida. Balela.
Os governistas sabem que “o povo”
simplesmente não quer participar de conselho nenhum. Imagine você tendo de ir a
uma plenária duas vezes por semana, ou a um seminário, ou a um debate, ou a um
congresso de qualquer coisa. Que porre. Você tem mais o que fazer. Você tem o
seu trabalho, os seus amigos, a sua família, o seu time, o seu cachorro, o seu
sono.
É por isso que a democracia
representativa é tão boa: você escolhe pessoas para representá-lo nessas
atividades e para estudar questões pedregosas, como reformas legislativas. Elas
estão lá para isso. Agora, se as coisas não estão indo bem, aí você tem de
pressionar o seu representante, tem de protestar, tem de gritar. Mas só em
casos extremos, obviamente, que você tem seus compromissos.
Conselhos do gênero seriam
habitados por partidos orgânicos, como o PT, e seus agregados. Eles fazem política
sistemática e profissionalmente. Eles vivem disso. Tanto que já estão
infiltrados em sindicatos, associações de bairro, ONGs, igreja e universidades.
O Congresso nos protegeu (por
enquanto) dos conselhos bolivarianos. Não nos protegeu da reeleição de Fernando
Henrique, uma escusa mudança das regras do jogo em meio ao jogo, feita por
meios mais escusos ainda.
O Judiciário também tenta sabotar
o Legislativo. Veja essas novas teorias de atuação “ativa” do Judiciário, tão
ativa que seus representantes não se contentam mais em agir quando provocados;
eles provocam, eles são litigantes, eles faturam com as causas levantadas por
eles mesmos, como fez a juíza de Livramento ao atrair para o conflito os
pobrezinhos dos gaúchos tradicionalistas.
O argumento do novo Judiciário é
que o Legislativo é muito lento para promover as “evoluções” da sociedade que
ele, Judiciário, acha importantes. É claro: o Judiciário é uma classe só, a
elite intelectual, inflada de convicções ideológicas sobre o que é certo ou
errado; o Executivo é mais restrito ainda, é uma pessoa só, ansiosa para
promover as mudanças que, em sua cabeça coroada, considera ideais. Já o
Legislativo é legião, porque somos muitos.
No Legislativo, todo o Brasil
está representado, ou quase todo. No Legislativo há os sem-terra e os
ruralistas, há os jogadores de futebol e os médicos, há os militares da reserva
e os guerrilheiros desarmados. O Legislativo, de fato, representa a nação. O
Executivo e o Judiciário, não.
Para desespero da elite
intelectual, que adeja com sua vasta sapiência por redações de jornal,
tribunais e redes sociais, o Brasil também é formado por gente como os
evangélicos, por exemplo, que, no Congresso, têm direito a voz e voto.
Você é a favor da legalização do
aborto (eu sou), é a favor do casamento civil gay (sou também), é a favor da
legalização da maconha (sou), é a favor da exigência do diploma de jornalista
(contra)? Vote em um deputado que pense como você. Que defenda suas causas. Não
precisa ser o mais inteligente, basta que ele concorde com o que você acha
relevante. Eleger deputados que realmente nos representem é mais importante do
que eleger o presidente ideal. Os deputados estão lá para nos proteger de
presidentes, juízes e demais mulheres e homens sábios que querem dizer o que é
bom para nós.
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