12
de setembro de 2014 | N° 17920
DAVID
COIMBRA
Os gays de
Livramento
Nunca
finquei o salto da minha bota num CTG. Nunca entrei numa bombacha. Não sei
andar a cavalo. Prefiro peixe a churrasco.
Sou
a favor do casamento gay. Vejo homens andando de mãos dadas pelas calçadas
perfeitas aqui dos Estados Unidos e acho extremamente civilizado. Sou contra
qualquer tipo de discriminação sexual.
Feitas
essas ressalvas, gostaria que alguém me respondesse a uma questão sem
qualificar a pergunta ou o perguntador, apenas para esclarecer minha mente
obnubilada. A pergunta é a seguinte: Por que esse casal gay de Santana do
Livramento precisa casar-se num CTG?
Essas
associações, os CTGs, foram feitas pra cultuar tradições. Esse é o objetivo. O
troço se chama Centro de Tradições Gaúchas. O CTG é um clube, é uma entidade
particular, privada, um CTG não é público, nem estatal. Eu, particularmente, não
vou a CTG porque não tenho nenhum interesse em cultivar tradições. Eles, lá os
gaudérios, eles têm.
Cerimônias
de casamento heterossexuais são realizadas em CTGs, porque fazem parte das tais
tradições deles. Casamentos homossexuais não fazem parte das tradições deles.
Nem usar tênis. Nem cantar samba. Nem ser vegetariano.
Eu
não sou vegetariano, mas eventualmente calço tênis ou canto sambas. Se quiser
fazer isso, não o farei num CTG, porque nos CTGs eles não querem que as pessoas
façam isso. É como ir a um casamento de camiseta. Todo mundo de terno, e eu de
camiseta. Vou me sentir mal, e haverá quem ache que estou desrespeitando o
casal em núpcias.
Se
essas duas mulheres nubentes de Livramento fossem minhas amigas e me
convidassem para o casamento delas, eu vestiria um bom terno e uma vistosa
gravata, embora não goste de vestir ternos e gravatas. Faria isso por
consideração a elas.
Mas
elas pretendem realizar o casamento delas num Centro de tradições Gaúchas,
embora, como já disse e todo mundo sabe, casamentos gays não façam parte das
tradições gaúchas, mesmo havendo milhares, quiçá milhões de gaúchos gays,
inclusive dançando a dança do pezinho nos CTGs.
Vou
repetir: um centro de tradições é feito para que se cultuem as tradições. Entre
as tradições não está entrar lá de tênis, cantar samba ou realizar casamentos
entre pessoas do mesmo sexo. Logo, quem quer andar de tênis, cantar samba ou
casar com alguém do mesmo sexo não fará isso num centro de tradições.
Quando
uma juíza determina que um casamento gay seja celebrado num centro de
tradições, ela está afrontando essas tradições, está afrontando a própria
natureza do tal centro. Ela, a juíza, não está promovendo a tolerância, está
fazendo uma provocação. Tanto é provocação que, aparentemente, gaúchos defensores
das tais tradições preferiram tocar fogo no CTG a vê-lo abrigando um casamento
gay. O que é uma vasta ignorância e um crime, é óbvio, mas dá bem a medida do
quanto essas pessoas se sentiram insultadas.
Um
casamento é um ato de amor, é uma cerimônia de congraçamento, onde deve haver
harmonia e alegria. Mas esse casal quer celebrar sua união em meio à
hostilidade, numa entidade em que não são realizados casamentos gays,
precisamente porque lá não é um lugar de diversidade, de novidades ou modernidades:
lá é um lugar de culto a tradições, e as tradições são sempre as mesmas, ou não
seriam tradições. As tradições são até anacrônicas, porque não são mais deste
tempo, são de outro, de um tempo que não existe mais. Só que há quem goste
disso.
Por
que, então, casar-se nesse lugar? Para quê?
Casem-se,
gays. Casem-se! Vivam o seu amor na plenitude, andem de mãos dadas pelas ruas,
como fazem os gays de Nova York e Boston, namorem, troquem beijos apaixonados,
sejam felizes para sempre, e deixem os gaudérios com suas tradições, sua
picanha gorda, sua milonga, sua dança do balaio e com seu passado que talvez
jamais tenha acontecido. Eles estão lá no clube deles, cultuando as tradições
deles, achando que o Rio Grande é o melhor lugar do mundo e que não existe homem
mais homem do que o gaúcho. É para isso que serve CTG. Deixem os tradicionais
com suas tradições, mesmo que sejam antiquadas.
Eles
gostam! O problema é deles. O mundo já está cheio de conflitos, as confusões
nos procuram. Para que ir atrás delas?
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