07 de setembro de 2014 |
N° 17915
MOISÉS MENDES
O
futebol sem povo
Em tempos de racismo, uma
historinha de colégio. No início do século 19, a Inglaterra deflagrou uma
guerra contra os navios negreiros. O Brasil foi um dos alvos.
Os ingleses haviam abolido a
escravidão em suas colônias em 1833 e passaram a tentar impor leis contra o
tráfico em outros países.
Nesse embate mais econômico do
que humanista, chegaram a invadir o mar brasileiro, atacando e se apoderando de
navios com africanos.
A pressão era tanta que o Brasil
simulou leis em obediência à campanha inglesa. Dizem que vem daí a expressão
“para inglês ver”. As leis não tinham efeito, e traficantes e escravistas
continuavam negociando gente.
O julgamento que condenou o
Grêmio, no caso do insulto racista, é para inglês ver. Há punição exemplar
contra todos, clube e torcedores. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva
tinha que ser rigoroso e jogou para os ingleses.
Todos nós, os que esperamos que
um dia o racismo seja afastado dos estádios, como os que torciam pelo fim da
escravidão, somos os ingleses dessa história, dois séculos depois. Cobramos
punição, e a punição veio da forma mais burra possível.
Torcidas não são categorias
sociais, não são instituições, nem um mundo à parte. O que aconteceu é que
grupos de pessoas estúpidas, organizadas ou avulsas, que eventualmente se
misturam, ganharam um poder paralelo ao dos clubes no futebol.
São eles que vão continuar
gritando macaco, nem tanto por serem racistas, mas por serem estúpidos.
Torcidas são expressões de quem vai e de quem não vai a campo. O futebol é só o
reduto onde fermenta a idiotização.
E essa não é uma questão a ser
resolvida só pela Justiça desportiva. É um desafio para o que de forma ampla e
genérica chamamos de sociedade. Mas aí são outros quinhentos.
O futebol pode ter sido
sequestrado pelos bárbaros no momento em que retiraram o povo dos estádios para
dar lugar a um contingente de classe média sem referências e sem limites.
É a maior punição para os clubes.
Parte dos torcedores escolhidos pelos próprios clubes como público das arenas
ameaça inviabilizar os espetáculos.
A solução? Copiar, como já
tentam, algumas coisas do que os ingleses fizeram contra os hooligans, punir
exemplar e didaticamente os racistas e quadrilheiros (e os clubes), dar
protagonismo ao MP e à Justiça. Tudo previsível.
Daqui a alguns dias, centenas
voltarão a gritar macaco. E mais um clube será punido. Os ingleses pedirão mais
punição. E assim teremos penas que, levadas a sério, fecharão os clubes.
Enquanto isso, bandidos e
estúpidos continuarão agindo, nos estádios, nas ruas, depois dos jogos, nas
redes sociais.
A saída talvez seja improvável:
acolher de volta o povão nos estádios, resgatando um poder moderador moral que
está na origem do futebol e que os clubes largaram pelo caminho. Ou dirão que
não temos mais nem o povão?
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