RUTH
DE AQUINO
12/09/2014
20h58
Soneto da
Educação
Um
diagnóstico da nossa educação em uma conversa com o primeiro ministro da área
na era Lula
De
repente, não mais que de repente, fez-se de inteligente o ignorante, fez-se de
próximo o distante, fez-se da educação uma aventura edificante. De repente,
todos os candidatos à Presidência só falam naquilo: educação. O primeiro
ministro da Educação da era petista, Cristovam Buarque, pressionou Lula a fazer
a revolução que, hoje, todos prometem. Caiu por isso. A seguir, uma conversa
com ele, hoje senador. Para quem tem memória curta.
ÉPOCA
– Educação virou “prioridade” no horário eleitoral. Por que a súbita obsessão
retórica?
Cristovam
Buarque – A realidade mostrou que educação é fundamental não só para cada
indivíduo, mas para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Sem
isso, a economia fica para trás, produzindo bens primários e importando bens de
alta tecnologia.
ÉPOCA
– O que deu certo e errado nos 12 anos de governo do PT?
Cristovam
– Deu certo o lento avanço na universalização, não deu certo o salto necessário
para a qualidade. A escola, ampliada, ficou para trás. Três brechas se
aprofundam: entre a educação no Brasil e noutros países, entre a educação dos
ricos e dos pobres, entre as necessidades de educação e o que a escola oferece.
ÉPOCA
– Por que o senhor saiu do governo?
Cristovam
– O presidente Lula cansou de algumas falas minhas. No último encontro, eu lhe
disse que não fazíamos o dever de casa para mudar a economia. O desinteresse
político de Lula pelo longo prazo o levou a gestos imediatos no ensino
superior, sem dar atenção à educação de base. O resultado foi aumento no ensino
superior, com qualidade desastrosa.
Lula
temia minha reação à mudança da Bolsa Escola para Bolsa Família, que perderia a
conotação educacional, ao sair do MEC para o Ministério do Desenvolvimento
Social. Lula usa espertamente a ideia de que é possível saltar para a
universidade, sem passar pela educação de base. E esse discurso, mesmo que
demagógico, dá votos, como se comprova.
ÉPOCA
– Quais foram suas maiores frustrações como ministro?
Cristovam
– Primeiro, a suspensão do programa para a erradicação do analfabetismo, logo
depois que saí. Também a paralisação do programa Escola Ideal, embrião da
Federalização da Educação de Base. E os projetos que ficaram na gaveta da Casa
Civil, entre eles o Programa de Apoio ao Estudante, que depois virou Prouni.
ÉPOCA
– Que nota daria ao PT, com base em nossos indicadores educacionais?
Cristovam
– É fácil: a mesma nota do Ideb. Menos de 5: reprovado. Se tivéssemos levado
adiante a proposta de adotar as escolas de cidades pelo governo federal, hoje
já teríamos 3 mil cidades com educação de alta qualidade.
ÉPOCA
– O que acha da aprovação automática?
Cristovam
– Uma medida errada. É como dar alta ao doente, porque ele ficou um tempo
determinado no hospital, sem ao menos tomar a pressão dele. Serve apenas para
mostrar diminuição no número de doentes.
ÉPOCA
– O que acha das cotas raciais?
Cristovam
– Sou a favor, como medida paliativa, necessária para mudar a cor da cara da
elite brasileira, enquanto se faz o certo e definitivo: negros e brancos,
pobres e ricos em escolas com a mesma qualidade.
ÉPOCA
– Algum modelo estrangeiro é inspiração para uma revolução na educação?
Cristovam
– Os melhores exemplos de países que partiram de níveis parecidos são Coreia do
Sul e Irlanda. Para acabar com a vergonha em todas as escolas de uma cidade,
bastam poucos anos. Para fazer a mudança em todas, mais de 20.
ÉPOCA
– Que metas devem ser perseguidas?
Cristovam
– O governo federal deveria escolher e adotar escolas de cidades e implantar um
novo sistema para substituir o atual. As escolas federais, melhoradas, podem
ser um padrão a espalhar. Uma revolução na educação de base custaria 6,4% do
PIB. Um grande programa para a população adulta, entre 9% e 10%. Espero um
presidente que diga: “Só descansarei quando nenhuma família precisar de Bolsa
Escola”.
ÉPOCA
– O senhor diz que a violência na escola é produto da desvalorização do
magistério. Como valorizar o professor?
Cristovam
– Criando uma Carreira Nacional dos Professores, com salário capaz de atrair
para o magistério os jovens mais brilhantes do ensino superior. Para isso,
precisamos pagar R$ 9.500 por mês. Escolher esses professores de maneira
rigorosa, exigir dedicação exclusiva e submetê-los a avaliações para substituir
quem não tiver o desempenho desejado. Fazer escolas bonitas e confortáveis,
equipadas com a mais moderna tecnologia. Todas em horário integral.
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