sábado, 20 de setembro de 2014


20 de setembro de 2014 | N° 17928
ARTIGO - MARCELO RECH*

PIOR DO QUE ESTÁ, FICA

Ao longo da sua história, o povo brasileiro foi sendo simplificado por estereótipos, que são, como se sabe, carimbos para poupar explicações e economizar palavras. Honesto ou desonesto, trabalhador ou preguiçoso, cordial ou violento – qualquer definição se encaixa na gigantesca e diversificada floresta de índoles dos mais de 200 milhões de brasileiros. Tentar enquadrar o brasileiro em uma sentença, portanto, é uma temeridade que leva a exclusões das complexas camadas e teias de grupos sociais que se movimentam pelos 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

Mesmo assim, diante do andar da carruagem desta e das eleições até onde a memória alcança, vou arriscar em tascar mais um estereó- tipo no sacrificado povo brasileiro: nós somos politicamente ingênuos. O.k., você pode não se sentir assim. Afinal, você lê jornal, compara biografias, estuda planos de governo, perscruta a história e até a alma dos candidatos que escolhe para falar em seu nome e decidir o seu futuro e o da sua família. Mas, convenhamos, a imensa maioria não age assim.

Tome-se o exemplo de São Paulo, para valermo- nos de certo distanciamento. São Paulo não é o sul do Brasil, onde há mais tradição política, mas também não é o Nordeste e o Norte, onde coronéis e capitães do mato ainda dão o tom em algumas eleições.

Pois esta São Paulo, tão educada e industrializada, está para, segundo pesquisa do Ibope, escolher entre seus deputados federais mais votados os seguintes expoentes da política nacional: Tiririca (o palhaço que arrebanhou 1,34 milhão de votos em 2010 e não fez nenhum discurso na Câmara Federal), Celso Russomano (um comunicador de TV da linha sensacionalista), Paulo Maluf (tirem as crianças da sala, por favor), Baleia Rossi (filho de um ex-ministro da Agricultura removido sob suspeita de corrupção) e Pastor Feliciano (que, a cada ataque dos movimentos gays, contabiliza mais 10 mil votos).

Não culpem os paulistas. Há dias, em Brasília, eu questionava alguns locais sobre como podia liderar as pesquisas um ex-governador que ostenta o título de ter sido o primeiro ocupante desse cargo no Brasil a ser preso em pleno mandato, que foi filmado embolsando maços de dinheiro e que foi condenado e encarcerado por improbidade. Os eleitores da capital do Brasil querem um ladrão pego em flagrante a governá-los?

Não se incomodam em devolver um corrupto ao poder? O tal candidato acabou renunciando para não ser barrado na Ficha Limpa, mas entronizou o vice e a mulher para disputar em seu lugar. Uma emenda tão ruim quanto o soneto. O “rouba mas faz” explica muito sobre o que almejamos ser como nação.

Nós (certo: eles, os brasileiros, para não brigarmos) somos ingênuos porque terceirizamos responsabilidades e acreditamos que os outros vão nos salvar. Ficamos boquiabertos com os torcedores japoneses quando constatamos que eles limpavam as arquibancadas nos estádios da Copa. Aliás, outro dia, ao amanhecer, vi um casal varrendo sua rua em Porto Alegre. Eram japoneses. Eles o fazem por uma razão simples: os japoneses, como tantos povos mais civilizados, não esperam graças de terceiros e assumem para si a tarefa de resolver os problemas da forma mais prática e objetiva possível. Já nós (eles, os brasileiros) acreditamos que tudo deve e vai ser providenciado pelo governo.

O grande papai no poder vai contratar mais funcionários, vai aumentar seus salários, vai assegurar mais benesses, vai dar vale-isso e vale-aquilo, vai erguer todas as obras, vai varrer a corrupção e a violência, não vai reduzir nenhuma despesa e, deusnoslivre, não vai aumentar impostos. Estamos em eleições para cargos terrenos ou divinos? Depois, quando os milagres viram pó, vêm a desilusão, a descrença, o desânimo ou a revolta de termos sido iludidos.

No fundo, este cenário de inexperiência e ingenuidade política se deve ao fato de o Brasil seguir aprisionado em três mundos paralelos. Um é letrado, paga impostos pesados mas é compelido a contratar serviços privados e quer se livrar das amarras coloniais para chegar ao Primeiro Mundo. O segundo é o planeta oficial e seus entornos, que vivem do extrativismo estatal e que são sempre a favor dos sacrifícios, contanto que sejam dos outros.

Por fim, há um Brasil vasto, profundo, popular – cortejado por todos e enganado por muitos. Os três países se veem pouco, vivem em bolhas, em um apartheid político que mantém a discussão rasa e o futuro incerto. Enquanto esses três Brasis não amadurecerem e convergirem para uma agenda mínima, os bravos Tiriricas Pior-do-que-está-não-fica seguirão em suas intrépidas trajetórias rumo ao poder de nosso tão vilipendiado e inocente Brasil.


marcelo.rech@gruporbs.com.br

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