10
de setembro de 2014 | N° 17918
MOISÉS
MENDES
Rosa
Aamericana
Rosa Parks é a mais fantástica personagem da luta pelos direitos civis. Em
1955, em Montgomery, Rosa recusou-se a ceder o lugar num ônibus a um homem
branco. Foi um gesto poderoso. Inspirou quase tudo o que se faria depois pelos
direitos de negros, mulheres, crianças, minorias.
Rosa
ensinou a afrontar a discriminação que nos é dada como normal. Negros
americanos só podiam sentar-se nos bancos traseiros dos ônibus. Era onde ela
estava e de onde disse que não sairia. Foi presa e fotografada como criminosa
com o número 7053 no peito numa delegacia da capital do Alabama.
Procure
o rosto de Rosa no Google. Tem a serenidade de quem sabe que fez a coisa certa.
A cara de Rosa é a cara da luta contra o racismo.
O
pastor Martin Luther King foi energizado pelo gesto daquela mulher atrevida e
se transformou na voz da igualdade nos Estados Unidos. Luther King é o cara.
Mas a costureira deflagrou tudo.
Em
qualquer situação que requer uma marca, uma imagem, um ícone, persegue-se a
síntese capaz de expressar aquilo tudo, como o rosto de Rosa Parks. É o que
tentam fazer agora, ao inverso, com a cara desta moça que nos levou ao
constrangimento de sermos chamados – todos nós, gaúchos – de racistas.
A
cara do racismo seria a da guria que chamou o goleiro do Santos de macaco.
Cariocas que foram ao jogo do Flamengo contra o Grêmio, no sábado, insultaram
com agressividade os torcedores tricolores. Passamos a ser “viados racistas”.
O
Alabama de Rosa Parks desencadeou nos anos 50
a reação contra a discriminação nos Estados Unidos. O
Rio Grande do Sul, quase 60 anos depois, passa a ser visto como o Estado do
racismo no Brasil. A guria branca gremista seria o reverso da negra Rosa Parks.
Não
subestime os que se esforçam para que a moça seja a cara de um Estado
discriminador.
Somos
o segundo Estado mais branco do Brasil, atrás apenas de Santa Catarina. Nos
divertimos com nossas virtudes de Estado pretensamente diferente “do resto”,
com alguma bravura atávica de guerras de fronteira, com rebeliões que perdemos
(mas ainda contamos como vitória) e com uma almejada superioridade como povo.
O
gaúcho médio é um pavão (às vezes, dissimulado) de cauda esfarrapada. O período
que começa agora, da Semana Farroupilha, pode ser fortalecedor de identidades e
da autoestima, mas também é propício aos que cultuam bravatas, separatismos e
essa difusa sensação de que se é superior – em relação a que, nunca se sabe
direito.
Então,
não tentem atribuir a um fato episódico a tentativa de expor a guria da Geral
como o retrato da discriminação. A moça não é racista – é apenas uma simplória
–, mas vá explicar isso aos outros.
Construímos
caricaturas de gaúcho que, vistas de fora, teriam coerência com a imagem
ameaçadora e infantilizada da guria da Geral. A torcedora só teria oferecido
mais um rosto à nossa empáfia.
É
enganoso, mas fazer o quê? Talvez seja preciso olhar um pouco para a própria
cauda alquebrada e repensar nosso jeito gaúcho de ser. O 20 de Setembro não
ajuda muito, porque é o momento de nos enganarmos também com o que pensamos que
somos.
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