sexta-feira, 12 de setembro de 2014


12 de setembro de 2014 | N° 17920
MOISÉS MENDES

Outras Sbórnias

Banksy, o mais famoso grafiteiro do mundo, nunca mostra a cara. Suas figuras em muros da Europa e dos Estados Unidos são imagens mágicas que transformaram o desenho de rua em arte de galeria e de museu.

Para alguns, Banksy é um copiador. Muito antes dele, o francês Blek Le Rat fazia grafites com a mesma técnica e mensagens pacifistas semelhantes. O inglês diz, modestamente, que tudo o que pensa fazer já foi feito pelo francês.

Mas Blek Le Rat não se queixa de Banksy. Assim como Banksy não se queixa do iraniano Black Hand, que faz o mesmo tipo de grafite. Quem não sabe acha que os desenhos nas paredes de Teerã são de Banksy, e são de Black Hand.

Neste ano, li que um espanhol também imita Banksy (ou Blek Le Rat?) e faz sucesso em Nova York. Há imitadores de Banksy em todo o mundo. Assim como imitam Picasso, Miró, Beatles, Frank Sinatra, Woody Allen, Roberto Carlos, Michael Jackson.

Eu mesmo tento copiar Nelson Rodrigues. Na juventude, escrevi um romance em que tentei imitar Clarice Lispector e fiz algo parecido, como pastiche, com a sua novela Água Viva.

Quem já não tentou imitar Iberê? Assim como dizem que Iberê chegou a pintar garrafas iguais às de Giorgi Morandi. E depois pintou seus carretéis com influência inquestionável das garrafas do italiano.

Você conhece os carretéis do gênio de Restinga Seca. E já viu as garrafas de Morandi na Fundação Iberê, numa exposição anos atrás. Garrafas e carretéis parecem pertencer à mesma casa.

Nunca dirão que Iberê plagiou Morandi, mas que o gaúcho foi maravilhosamente influenciado por ele. Mas quais são os limites entre a influência, a homenagem e o plágio?

Essa é a momentosa questão colocada pelo espetáculo Let’s Duet, que seria um plágio do clássico Tangos & Tragédias.

Já aconteceu o linchamento público dos músicos que teriam copiado Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez. As redes sociais não têm um, mas dois substitutos para a guria que chamou o goleiro do Santos de macaco. E dá-lhe pancada.

Dizem que tudo é igual, o roteiro e os personagens que Nico e Hique incorporaram por três décadas.

Vou contemporizar. Torço para que a má-fé seja menor do que a admiração que os dois moços devem ter pela dupla. E espero que a questão autoral e suas implicações não se transformem numa pendenga.

No ano passado, conversei por telefone com Moisés Nicolaiewsky, pai de Nico. Ele queria comentar algo que eu havia escrito. Falou do filho e eu fiquei com a sensação de que seu Moisés se referia a alguém que eu conhecia há muito tempo. E eu nunca falei com Nico.

Agora, de longe, tenho a sensação de que a tal “imitação” é uma manifestação poderosa de admiração, especialmente pelo artista morto, com todas as suas consequências, inclusive as negativas. Os rapazes se apropriaram de algo grandioso, como se Tangos fosse – e talvez seja mesmo – um bem público.

Olho o que se passa e tento ver as conexões possíveis com as “imitações” que Banksy faz de Blek Le Rat e as cópias que Black Hand faz de Banksy.


E penso que a arte está aí também para, por caminhos às vezes tortos, nos reavivar a memória. Que a arte de Nico e de Hique se multiplique por outras Sbórnias.

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