sábado, 27 de setembro de 2014


28 de setembro de 2014 | N° 17936
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Marilyn e as ostras

Dá-me certa ansiedade não pagar nada para a escola do B. É tudo de graça, e a escola é ótima. Fico me sentindo culpado. Fico achando que tem alguma coisa errada. A sensação é de que, se eu não der um bom dinheiro, eles não vão fazer um bom trabalho.

Lá estudou o Kennedy, imagina, e ele também não pagava nada.

Estou me exibindo muito com isso de o Kennedy ter estudado no mesmo lugar em que o meu filho estuda.

Fim de semana passado, o Potter e a Marcella estiveram aqui. Saímos a flanar por Boston. Paramos para almoçar no Union Oyster Bar, o mais antigo restaurante em funcionamento dos Estados Unidos, aberto desde os albores do século 19. O Kennedy ia lá para comer ostras frescas, e sentava-se sempre na mesma mesa, a 18. E não é que, por total coincidência, nos colocaram exatamente na mesa dele!?! Olhei para o B e disse:

– Guri, isso é um presságio! Tu vais ser presidente. Ou vais pegar uma Marilyn Monroe.

Prefiro a Marilyn. Já estou vendo-a, no aniversário dele, vindo a ondular como a serpente do paraíso, suas sinuosidades mal contidas dentro do vestido coladinho e faiscante. Estou vendo seu sorriso de marfim se abrindo diante do microfone e ela cantando em meio a gemidos e sussurros:

– Happy birthday... to you... Happy birthday... to you... Happy birthday, mister Bernardou...

Ah, o orgulho de um pai.

COMO FUNCIONAM AS ESCOLAS

As escolas públicas são excelentes por aqui. São mantidas por uma espécie de IPTU e melhoradas por doações da comunidade. Não são doações de ricos, não. São ações comunitárias, promovidas por empresas, entidades ou pessoas físicas. Duas semanas atrás, um supermercado, o Whole Foods, destinou 5% da renda do dia para as escolas locais. Todos da vizinhança foram comprar lá, eu inclusive.

O aluno não escolhe onde vai estudar. Quem escolhe é a, digamos, secretaria de educação, que coloca o aluno na escola mais próxima da sua casa. Então, lá na escola do B estudou o Kennedy e estudam os filhos do zelador do prédio em que moro, um sujeito retaco e sorridente egresso de El Salvador. Estudam também israelitas, árabes, coreanos, japoneses, italianos, etíopes, e todos fazem aula de inglês como reforço. De graça. E de graça ganham material escolar: cadernos, régua, canetas, lápis de cor...

A criança chega às oito da manhã e sai às duas e meia da tarde. Se os pais quiserem, o aluno continua até as seis e meia em diversas atividades de suporte, como aula de matemática, de literatura, de artes ou de esportes. E não paga um único dólar a mais por isso. O que você paga são três dólares por dia pela alimentação. Se não tiver condições de dar essas três doletas, manda uma carta para a escola, e eles fornecem alimentação gratuita e assistência médica gratuita também.

Os Estados Unidos são o maior país socialista do mundo.

A E I O U

A língua tem ritmo. Às vezes, passo por uma obra (tem muito brasileiro na construção civil americana) e reconheço o português do brasileiro pelo ritmo, não pelo sentido do que está sendo dito. Porque nem entendi o que as pessoas estão falando, não ouvi uma única palavra, só identifiquei o balanço do som e por isso sei que ali há brasileiros conversando.

O português falado por brasileiros é suave. Ao contrário do alemão, por exemplo, que é áspero. O espanhol da Espanha é agressivo. O italiano é dramaticamente cômico. Ou comicamente dramático. E o americano canta.

– Good mooooorniiiiing... – é a saudação das manhãs que faz a guarda de trânsito que fica controlando a rua atrás da escola do B. Gosto disso, de uma guarda de trânsito me cumprimentando com tanta alegria. Mas não é só ela. Depois de deixar o B, saio caminhando pela rua e cruzo com americanos portando enormes copos de papel cheios de café. Basta fazer contato visual com um deles para ouvir:

– Good moooooorniiing...

Esforço-me para devolver um good morning à altura.

Agora, o que eles gostam mesmo de dizer é oh my God. Para tudo eles dizem oh my God. Dizem de um jeito completamente cantado, com breque. Assim:

– Ó! Mai! Góóód...

Conheço uma americana que é de Connecticut, a Michelle. Ela fala Cãnéricãt. Acho lindo. Queria um dia sair por aí falando Cãnéricãt.

Mas, cá entre nós, é muito estranha a forma como eles falam, não é? Sobretudo as vogais.

O “A” é “Ei”.

O “E” é “I”.

O “I” é “Ai”.

O “O” é “Ou”.

E o “U” é “Iu”.

Por que isso??? Por que não falam certinho A, E, I, O, U?


Gostam de complicar, esses americanos.

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