14
de setembro de 2014 | N° 17922
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Moteleiros
Não
se dorme em motel, por mais que se tente, não se dorme.
Trata-se
de uma maldição, o casal dirá que deseja virar a noite e aproveitar o café da
manhã. Nunca vi alguém tomar café da manhã em motel. No máximo, é possível
passar seis horas em seus domínios. Descansar é impossível.
Motel
é para transar e mais nada. Foi criado unicamente para a luxúria e insônia.
Deveria ganhar diária grátis quem consegue fechar os olhos ali dentro. Só
bêbado, mesmo. Só desmaiando. Só em coma alcoólico.
Não
existe nem a tranquilidade de Bíblia na gaveta. Não há o aconchego de ninho, a
atmosfera de conchinha, de se apegar mansamente nos braços da mulher e virar
para o lado.
Não
há lado no quarto de motel. É uma gaiola de vidro, de hamster correndo.
É
uma jaula de musculação, de ginástica, de levantamento de halteres. Não há como
sonhar em paz com um espelho no teto. É acordar e se espiar de cima. Parece que
estamos mortos, levitando, que saímos do próprio corpo.
Há
uma luz que nos cega entrando pelas frestas e pelos reflexos dos vidros. Pode
fechar as cortinas que ainda tem claridade. É como dormir de luz acesa. O
quarto de motel é o sol da Sibéria em miniatura. Mesmo que sufoque
completamente as janelas, uma luz negra banha os objetos. Os objetos brilham, o
telefone brilha, como adesivos de decoração infantil. É como deitar nas
cadeiras do Planetário.
Estar
em seu território é não se encontrar com o silêncio. Tem um chiado ininterrupto
entre as paredes. Não sei se é a tevê, não sei se é o rádio, não sei se é a
alavanca da cama. Apertou algum botão por engano e não localiza qual é. O
apartamento não traz a segurança da intimidade. A porta está fechada, mas a
impressão é que surgirá alguém para limpar a qualquer momento, alguém sairá do
elevador dos pratos ou de uma outra porta secreta.
Não
há como descansar, a estrutura é moldada para contorcionismo, oferece degraus,
divisórias, box. Não tem o fundo plano para o sossego. Um horizonte de calma e
de estabilidade. Uma cena igual e monótona para se entregar ao cansaço.
Como
repousar num banheiro? Estamos enredados em um banheiro imenso e infinito, um
banheiro feito dormitório. As lajes, o mármore e os azulejos são pedras frias,
pedras que não entoam cantigas de ninar. A cama é redonda, triangular, tudo
menos quadrada. Os pés escapam, ficam soltos de suas órbitas, dançam no ar,
pedalam perdidos.
O
lençol não dá conta do frio. É um lenço fino, pura gaze, que serve para nu
artístico. Não tapa nada. Não achará cobertor e edredon no armário. Não tem
como se aprochegar. O ar ou é quente demais ou é frio demais. Ou se levantará
queimando em febre ou congelado.
Acima
de tudo, sentirá falta de seu travesseiro. Aquele peso sob a cabeça é apenas
uma almofada morta de sofá.
Terá
saudade de seu confidente de penas. Macio, fofo, impregnado de seu cheiro. Mas
levar travesseiro para o motel é coisa de depravado.
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