sábado, 6 de setembro de 2014


07 de setembro de 2014 | N° 17915
FABRÍCIO CARPINEJAR

Eu te devoto

Se você tem um homem ou uma mulher que lhe ama, é muita sorte.

Mas existe algo maior do que o amor: a devoção.

Se você tem um homem ou uma mulher devota, não é apenas sorte, e sim milagre.

O devoto jamais desistirá de você, é amor até depois da morte.

Ele não tem orgulho, tem fé. No orgulho, só cabe um. Já a fé tem espaço para todo o casal.

O voto matrimonial será cumprido realmente pelo devoto (quem ama às vezes não aguenta cumprir a declaração à risca):

“Prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.

O devoto foi feito de pele de aço e alma de vidro. Encontra explicações na própria esperança, mesmo quando não é retribuído ou correspondido. Pode ser criticado, ofendido, abandonado, esquecido, maltratado, torturado e não vai desistir.

Ele sofre pelos dois, e se acalma pelos dois. Ele briga pelos dois e se desculpa pelos dois.

Tenho pena do devoto e também admiração.

Nenhum de seus amigos e familiares será capaz de entendê-lo. Porque ama demais, se doa demais, se quebra demais.

É amargamente ingênuo, docemente compreensivo.

Vive mudando sua perspectiva para encaixar a convivência. É um otimista da ação, apesar da tônica pessimista de sua rotina.

Renuncia os objetivos em nome do casamento, da recuperação do casamento, da melhoria do casamento, que talvez nunca venha.

Enquanto é natural procurar motivos externos para justificar a tristeza, o devoto se concentra nas lembranças boas, ainda que raras, para proteger sua vontade de viver.

O devoto é um guerrilheiro da relação, um apaixonado vitalício.

Tem o desespero de ajudar sempre, em atender os pedidos antes de pensar em si.

Ele cessa qualquer trabalho para acolher a súplica de sua companhia. Nunca volta de uma viagem desprovido de uma lembrança, desenha a saudade nos vidros de sua paisagem, derrama-se em reticências nas mensagens. Não encara o nome de sua amada ou amado no celular sem tremer.

Quem ama dorme bocejando, o devoto dorme suspirando.

Quem ama acorda pedindo espaço, o devoto acorda pedindo abraço.

O devoto vai além da compreensão. Escreve cartas, deixa bilhetes de manhã, prepara surpresas, inventa festas. Incansável em sua busca por ser inesquecível.

Ele pode, inclusive, se piorar para não ser melhor do que sua companhia. Ele pode se sonegar para se equiparar ao que recebe.

Eu te devoto supera o Eu te amo.

O único empecilho é que um devoto precisa encontrar um outro devoto para ser feliz. 

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