09
de setembro de 2014 | N° 17917
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
SEM CARRO
Tenho
carteira de motorista (os burocratas chamam “de condutor”, para resolver um
problema que não existe) desde os 18, o que me dá 38 anos de experiência.
Sempre usando carro, primeiro o do pai, depois os que fui tendo. E nunca, nesse
tempo todo, havia ficado mais de alguns poucos dias sem valer-me de suas
facilidades. Pois agora faz mais de 30 dias que não ando de carro. Sem sentir a
mínima necessidade.
Estar
vivendo em Paris tem tudo a ver com isso. É uma cidade com transporte público
eficiente e relativamente barato. Tem metrô para tudo que é parte, trem para os
subúrbios, além de ônibus que chegam a dar nos nervos de um brasileiro – nunca
estão lotados, sempre são limpos, anunciam em displays internos o nome e o
tempo de cada trecho, esperam todo mundo descer e subir, até com carrinho de
compra ou de nenê. (Nas paradas, além dos mapas claros há também displays
eletrônicos noticiando os minutos que faltam para o bicho aportar ali. E é
certo.)
É
uma cidade com calçadas cuidadas. Em bairros residenciais, o piso é de asfalto
ou algo parecido, que acolhe os patinetes em que crianças, jovens e adultos se
movimentam, assim como as cadeiras de rodas de quem precisa mais do que nós de
conforto. E nelas acontece uma coisa impressionante: as pessoas caminham! Sabe
caminhar, ir daqui para ali, deslocar-se? Isso.
É
uma cidade com comércio miúdo funcionando, de portas abertas e sem o pavor que
domina a nossa vida. Claro, porque não tem assalto, ou tem mas numa proporção
incomparável. É uma cidade rica, uma capital mundial de turismo, pesquisa e
negócios, com renda mais bem distribuída, escola boa grátis para todo mundo (em
dois turnos), a polícia e o aparelho judicial sem as mazelas que reiteram a
violência.
Mais
que todas as outras diferenças, o que há aqui, e nos falta no Brasil, é um
sentido de convivência – de tempos, estilos, línguas, maneiras de ser.
Convivência não quer dizer homogeneização, e só existe porque não se vive a
ditadura do carro individual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário