terça-feira, 30 de setembro de 2014


30 de setembro de 2014 | N° 17938
MOISÉS MENDES

Os mesários

Você é dos que têm roupa de votar, um vestido, um terno, uma gravata ou um lenço que usa a cada eleição? Admiro os que tratam o momento do voto com solenidade, mas não chego a tanto. Apenas gosto de votar.

Acho bom percorrer o saguão da Associação Israelita Hebraica, na João Telles, até a minha seção, como se tivesse um poder maior do que de fato tenho.

Me faz bem experimentar a sensação, enquanto percorro o saguão até o fundo, de que os mesários estão me esperando para um gesto decisivo.

Você sabe que é assim, que uma eleição pode ter um resultado diferente do que você deseja, se você não estiver no domingo ali.

Essa certeza da singularidade, de que seus votos são únicos e podem virar uma eleição, nenhum outro momento nos dá. Por isso sempre caminho até a minha seção certo de que me esperam.

Num ano, cheguei atrasado à Hebraica. Estava trabalhando e precisava voltar ao jornal. Caminhei apressado até o fundo, me atrapalhei com os números das seções colados na parede e achei que haviam trocado minha urna. Parei diante da porta, espiei e ouvi alguém dizer:

– É aqui.

O mesário, que fica diante de centenas de pessoas a cada dois anos, deve conhecer as feições de muitos dos que passam pela seção 68. E me reconheceu, talvez dizendo para si mesmo: esse eleitor é meu, esse cara atrasado é da minha seção, é aqui, sim, que ele vota.

Depois da indecisão, eu também o reconheci e percebi que os rostos de outros mesários me eram familiares. Só a democracia, na hora do voto, proporciona essa empatia.

Aquele gerente do banco que você enfrentou uma vez, tentando negociar o juro do cheque especial, transforma-se em outra pessoa como mesário. Mesários deveriam ministrar cursos de bons modos a todos que prestam atendimento ao público em balcões, recepções e similares.

Um mesário é, por um ou dois dias, dependendo dos turnos, a cada dois anos, o mais sereno preposto de todos os poderes garantidores da democracia, e por isso transmite e capta admiração.

Tenho colegas que seriam excelentes mesários, principalmente os virginianos. Eles dispõem cada objeto com simetria na mesa, deixam a caneta sempre na mesma posição e se perturbam com a desorganização de quem senta ao lado.

Mesários são seres atentos. Sabem o ritmo da maioria dos eleitores da sua seção. Dos que votam depressa, dos que cumprem com calma sua missão e dos que ficam no minibiombo pensando, demoradamente, na última hora, se vale a pena arriscar de novo no Eymael.

Morei no Bom Fim por 14 anos. Há sete anos moro a 16 quilômetros da Rua João Telles, mas não troco meu lugar de votar na Hebraica por nada – nem que minha seção fosse transferida para uma réplica perfeita do Castelo de Edimburgo, aqui na Aberta dos Morros.

Foi na seção 68 que votei pela primeira vez para presidente da República, em 1989. Ali, em outras eleições, errei algumas escolhas, por distrações da democracia, e para ali retorno no domingo.


Mesários da Hebraica, me aguardem. Domingo, estarei aí na 68.

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