14
de setembro de 2014 | N° 17922
MARTHA
MEDEIROS
O galão d’água
Reproduzo o relato que minha filha recebeu pelo
whatsapp de uma garota brasileira que mora no Japão: Ontem veio um homem aqui e
deixou um galão dágua na frente da minha porta. Disse que durante a madrugada
eles fariam uma vistoria nos encanamentos de água do bairro e por isso estavam
passando para avisar, deixar o galão e pedir desculpas por terem que desligar o
registro de água por algumas horas.
Eu
disse para ele que não precisava deixar a água, afinal, estaríamos dormindo
nesse horário, mas ele respondeu: Você paga suas contas todos os meses e nós
temos obrigação de não deixar você sem água nem por um minuto. E ainda disse:
Se precisar de mais, pode pedir. E assim seguiu a distribuir nas outras casas.
Durante a madrugada, olhei pela janela e havia um grupo trabalhando nas ruas em
silêncio. Hoje vieram novamente, casa por casa, só para agradecer.
Pois
é. Não é assim que deveria ser tudo na vida? Decência, responsabilidade e
educação: por que é tão raro, tão complicado? A simplicidade da cena: um galão
d’água deixado de porta em porta para o caso de os moradores terem alguma
eventual necessidade às duas horas da manhã, às três horas da manhã.
Não
é caridade, e sim direito do cidadão que paga taxas e impostos. Eu não deveria
me comover com isso, mas me comovo, porque a gente cumpre com os compromissos
como qualquer japonês, qualquer sueco, qualquer canadense, mas onde está a
contrapartida?
Acho
que isso explica nossa desesperança de que uma eleição mude alguma coisa. Já
não acreditamos que um candidato consiga não se deixar corromper pelo poder,
que possa governar sem dever favores para outros partidos, que solucione as mazelas
do povo em detrimento das negociatas de gabinete. Política passou a ter um
sentido desvirtuado.
Ninguém
obriga um homem ou uma mulher a se candidatar a um cargo público. Se ele se
oferece para a missão de governar, deveria fazer isso unicamente por seu
espírito altruísta. Mas soa como piada. Altruísmo na política brasileira? Tem
graça.
Um
galão d’água na porta. Um serviço de atendimento ao consumidor que funcione de
forma fácil. Um policial em cada esquina. Nota fiscal entregue em todas as
transações comerciais. Lixeiras por toda parte. Ruas bem sinalizadas.
Transporte farto, barato e que cumpra horários. Hospitais com vagas dia e
noite. Escolas eficientes. Confiança em vez de burocracia. Sinceridade em vez
de enrolação. Agilidade em vez de empurrar com a barriga. Se todo mundo
concorda que é assim que tem que ser, por que não acontece, quem emperra?
Não
é só culpa de quem governa, mas dos governados também. Viciados em retórica,
seduzidos por vantagens exclusivas e não coletivas, sempre nos perguntando
“como posso faturar com essa situação?”, não permitimos que o Brasil se
moralize e avance.
Galão
d’água na porta de casa? Só com um troquinho por fora, meu irmão.
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