sábado, 10 de dezembro de 2011



10 de dezembro de 2011 | N° 16913
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Mangrulho

O mangrulho é uma torre de atalaia feita com troncos muito altos. O vigia sobe por uma escada rústica até uma plataforma, às vezes com cobertura de palha. “Mangrullo” é palavra popular na Argentina e no Uruguai, que se abrasileirou como mangrulho. No município de São Borja existe uma localidade chamada Mangrulho, que o companheiro Sérgio São Borja conhece muito bem...

Na pampa argentina, na “guerra del desierto” entre os soldados do exército e os índios hostis na fronteira entre a civilização e a barbárie, o mangrulho facilitava a visão muito ampla do pampa. Ao menor sinal de perigo, o soldado no mangrulho dava o sinal para o clarim, e ele tocava a rebate.

O índio pampiano era exímio na arte de se aproximar sorrateiramente, disfarçando-se na própria natureza. Aos olhos do vigia do mangrulho, pastava pacificamente uma tropilha clinuda: de repente, erguiam-se de trás dos cavalos 50 ou cem “conas de lanza”, que já se vinham ao ataque flechados no rumo do fortim que o mangrulho vigiava. Martín Fierro, a obra imortal de José Hernández, dá uma adequada visão desses tempos, e o cinema argentino em mais de uma oportunidade retratou essa luta.

Civilização e barbárie? A expressão é equívoca, embora gastada por autores que se ocuparam do tema. A civilização não era tanto “civilização”, e a barbárie também não era tanto “barbárie”. Civilizado, aquele soldado dos fortins da fronteira, caçado a mango e a boleadeira nas pulperias dos arrabaldes?

Não. Improvisado à força como militar, tratado a manotaço pelos superiores, roubado do soldo muitas vezes e tendo que enfrentar a brilhante cavalaria pampiana, o soldado não era nem perto de civilizado. E nem era soldado – apenas um pobre paisano caçado como fera ao qual empurravam uma farda azul.

E bárbaro, selvagem, o ranquel, o araucano? Menos. Ele tinha sua vida organizada, a sua família. Seu vasto território era cobiçado pelos brancos, que não pensaram jamais em respeitar os direitos dos índios ou em viver pacificamente com eles. Não. Foi uma guerra de extermínio, e o governo argentino terminou por conquistar a pampa. Para quê?

Para nada: aí está até hoje, em pleno século 21, o mapa da Argentina. Da província de Buenos Aires para baixo, até a Patagônia, imensas solidões geladas, desérticas, verdolengas. Deveriam ser coloradas, porque ali se derramaram hectolitros de sangue indígena ou dos pobres soldados pátrias.

O mangrulho foi parte dessa luta genocida, cruel. Não tivemos no Rio Grande do Sul uma coisa assim, embora a Guerras das Missões (1750-1756) dos nossos antepassados não nos encha de orgulho. Mas tivemos muitas guerras civis, e por isso importamos o mangrulho. A prova está em São Borja, ali no que sai do cemitério, da Vila Alegre.

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