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sábado, 17 de dezembro de 2011
18 de dezembro de 2011 | N° 16921
MARTHA MEDEIROS
A vida da gente
Como é bom se reconhecer em personagens menos alegóricos e voltar a acreditar que não somos tão cafonas
Desde que estreou, assisto a A Vida da Gente sempre que posso. Primeiro, porque já estava habituada a ligar a tevê no horário das 18h para ver Cordel Encantado, que foi uma obra de arte. Segundo, pela autora, Lícia Manzo, cujo trabalho segue a linha da excelente Maria Adelaide Amaral. E, por fim, por bairrismo mesmo: fiquei curiosa em ver como retratariam Porto Alegre, onde a trama ficcional se passa.
A Vida da Gente tem a medida da realidade. Por mais que saibamos que existem, na sociedade, vilões que mandam matar, mulheres que se vendem barato, familiares que se sacaneiam e barracos que acabam em delegacias, tudo isso é sempre over nas novelas – ninguém presta. E as motivações são fúteis, maniqueístas e sem respaldo psicológico.
A trama principal da novela: uma tenista entra em coma por quatro anos e, ao acordar, depara com uma filha crescida e um namorado que já não é seu. Foram transferidos para sua irmã, que não é uma cobra, e sim um doce de garota que apenas respondeu às exigências da continuidade da vida: criou a filha da irmã desacordada e acabou se apaixonando pelo pai da garotinha. Incomum, mas verossímil, até porque todas as nuances são abordadas sem simplificações. O público apenas testemunha as urdiduras do destino.
Em paralelo, um pai cuida das filhas em casa enquanto a mãe trabalha. Outro pai e sua esposa fútil não cuidam do filho, terceirizando-o para uma babá. A dificuldade de se relacionar com enteados. Uma mulher sequelada se anula para viver a vida da filha favorita. O amor na terceira idade.
A aproximação de uma filha adotiva com o pai biológico. Uma mulher com urgência para procriar busca um pai compatível, em vez de um amor de verdade. Pais, pais, pais. Eles nunca tiveram tanto protagonismo numa novela – finalmente, os papéis masculinos ganharam humanidade, em vez de se dividirem entre bandidos inescrupulosos ou galãs insípidos.
Não há apelos sensacionalistas – os homens não andam sem camisa, as mulheres não são periguetes, os diálogos não são vulgares, o humor é sutil, e não caricato. A canastrice foi abolida. E ainda que as atuações sejam discretas, pouco mobilizantes, não há como não se render ao trabalho de Ana Beatriz Nogueira, Nicette Bruno, Gisele Froes, Marjorie Estiano e Fernanda Vasconcellos – sem desprezar nenhum dos não citados.
Mas, de tudo, o que mais me anima é o bom gosto. Não só o bom gosto da luz, da trilha sonora, da fotografia, do texto, mas da conduta. Não há grandiloquência no heroísmo nem na vilania. O que existe é a vida de todos nós: frágeis, inseguros, divididos, carentes, buscando acertar sem cometer muitos furos.
Não que Terezas Cristinas sejam totalmente irreais, mas como é bom se reconhecer em personagens menos alegóricos e voltar a acreditar que não somos tão cafonas.
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