sexta-feira, 23 de dezembro de 2011



23 de dezembro de 2011 | N° 16926
ARTIGOS - Érico Hammes*


Natal em outra perspectiva

Cecília, uma criança de menos de dois anos, portadora da síndrome de Angelman, vive neste ano o seu segundo Natal, o primeiro depois de ser diagnosticada. Mesmo com uma expectativa de vida normal, ela, talvez, nunca entenda quem seja Papai Noel ou Natal. A árvore de Natal, para ela, são reflexos e movimentos piscantes; o menino Jesus e as figuras do presépio, apenas coisas aveludadas e coloridas; seus brinquedos, objetos de fascínio, sem lógicas, sem complicações e nem sofisticações.

Talvez jamais compreenda o significado de um presente e nem seja capaz de dar algum. Na realidade, porque é ela quem é o presente. Presente no tempo chamado hoje, um hoje que anoitece e adormece para amanhecer e se prolongar no que outros chamam de amanhã.

Ela própria é o presente de ser e estar, como a própria palavra “presente” nos ensina. Presente aqui, agora, diante de nós; presente que acorda e faz a noite virar dia. Presente sem nada, simplesmente estar aí; sem dinheiro e nem embalagem; para receber, sem reclamar e nem devolver.

O presente a ser cuidado, como existência reveladora de quem somos nós e quanto custa simplesmente ser. O valor de cada gesto ou movimento, cada som ou mímica aprendida; a importância de uma noite e de um dia sem febre e sem médico. Essas lições são seus presentes.

Quando as outras crianças brincarem ao seu redor, ela vai sorrir e seus olhos azuis vão brilhar; ela vai ser carregada nos braços ou empurrada em seu carrinho, mas não falará e nem gritará. Todas vão abraçá-la, sentir seu carinho espontâneo, seu sorriso acariciante e seu rosto feliz.

O Natal da Cecília mostra o Natal, verdadeiro e maior. Carreira, projeção social, poder político, riqueza econômica, todas as exterioridades sonhadas para todas as crianças, ficam reduzidas a nada diante da realidade primária de estar aí. A vida em sua limpidez e receptividade é a condição da existência verdadeira e significativa. O que despertamos de bondade nas outras pessoas, o quanto nos importa quem está ao nosso lado, isso nos faz valiosos e indispensáveis.

Foi exatamente por isso que o Filho Divino entrou na história do universo como Jesus de Nazaré, sem poder, sem talentos extraordinários e sem força para derrubar os impérios. Veio como hóspede e passou a vida sem morada até entregar-se como o único presente para a humanidade.
*Professor da Faculdade de Teologia da PUCRS

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