sexta-feira, 30 de dezembro de 2011



30 de dezembro de 2011 | N° 16932
PAULO SANT’ANA


Nos longes do Partenon

Meu Deus, como, afinal, aprendi a nadar? De repente, me veio essa pergunta. Se nunca frequentei aula de natação, se quando eu era criança nunca morei perto de qualquer curso de água, sequer córrego, como, afinal, aprendi a nadar?

Vasculhando meus arquivos da memória, achei a solução para a minha dúvida.

É que, quando eu tinha lá pelos 10 ou 12 anos de idade, vivia na encosta e no cume do Morro da Polícia.

E havia acima da encosta do morro, embora ainda muito longe do cimo, um antigo reservatório de água que foi desativado. Cortaram-se tanto a irrigação quanto a drenagem dele. E ele só enchia com a chuva ou esvaziava com a seca. Se é que sempre não foi assim estanque.

Nós, centenas de meninos do Partenon, descobrimos o reservatório e o apelidamos de “piscina”. As pessoas que têm a minha idade certamente se lembrarão da nossa “piscina”.

Era um quadrado de cimento de 8 x 8 metros. Quando enchia com a chuva, ficava tomado por água límpida.

Cessada a chuva, corríamos, centenas de meninos, para a nossa piscina. Era o nosso Grêmio Náutico União silvestre.

Em três dias de banho, a água da piscina ficava turva da sujeira dos corpos dos guris.

A piscina tinha dois metros de fundura, portanto, para atravessá-la de um para os outros três lados dela, era necessário saber nadar.

Quem não sabia nadar, como eu, dava um impulso com o pé numa parede da piscina e atingia uma parte do outro lado, quase junto ao vértice.

E, de tanto exercitar esse método, nossa travessia ia crescendo, crescendo, até que, dias depois, já atravessávamos toda a piscina a nado.

Foi assim que eu e milhares de meninos do Partenon, da Glória, da Intendente Azevedo, e até alguns que vinham da Azenha e de Teresópolis, aprendemos a nadar.

Essa piscina era em meio à mata virgem. Quase todos nós tomávamos banhos nus.

Mas havia um inconveniente. A piscina ficava exatamente na direção dos balázios das linhas de tiro da Brigada Militar e do Exército, que, ao que parece, ainda até hoje funcionam no mesmo lugar, na Chácara das Bananeiras.

Então, nós tomávamos banho, naquela algazarra infernal, ouvindo os zunidos das balas de fuzil das linhas de tiro.

Às vezes, isso é incrível, só de me lembrar me arrepio, ouvíamos o zunido da bala e logo em seguida tombava um galho de árvore que encobria a piscina. Ou caía uma folha, levada pela bala.

Muitos meninos saíam da piscina e se atiravam no chão da mata, fugindo aos balaços.

Nunca ouvi falar que algum menino tenha se ferido à bala, mas isso pode ter acontecido, apesar de que tanto o Exército quanto a Brigada Militar distribuíam avisos de que era proibido passear na direção das linhas de tiro, por ser perigoso à vida, nos dias de exercícios. Se não me falha a memória, uma sirena soava estridentemente para avisar a todos nas cercanias de que iriam começar os exercícios de tiro ao alvo.

Tenho a sensação de que estou contando uma parte da história de Porto Alegre e do tradicional bairro Partenon.

Foi assim que aprendi a nadar. Com risco de vida. E não era risco por afogamento. Era risco de balaços mesmo.

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