quinta-feira, 22 de dezembro de 2011



22 de dezembro de 2011 | N° 16925
ARTIGOS - Hermes Aquino*


Quando um não quer

Dia desses, caí literalmente da cama às seis da manhã e liguei o rádio, casualmente, em ondas curtas. Numa rádio distante, que eu não pude identificar, um cara comentava a crise mundial. Até aí nada de mais, todo mundo está falando nisso. Só que este cara era um daqueles tipos catastróficos. Meu plano era continuar um pouco mais na cama, mas ele me desestruturou. “Essa crise não vai ficar só na Europa”, dizia ele, enquanto o sinal da rádio ia e vinha.

Como assim? Pensei eu. O negócio não começou na Grécia? Por que vai se espalhar pelo mundo inteiro? E ele continuou seu périplo oral: “Hoje em dia, tudo é globalizado. Quando o bicho pega lá, com certeza também vai pegar aqui”. O cara tinha um speech devastador.

Daí, ele falou que a China já estava ficando de orelhas em pé. E que só não havia mergulhado de vez na crise porque injetou muita grana para estimular o próprio mercado interno. Nessa altura, tive que concordar com ele. Se a Europa era um dos maiores compradores da China, seria óbvio que as exportações chinesas estavam dando com os burros n’água.

Eu não sei você, mas eu me arrepio só de pensar no gigante chinês entrando em declínio acelerado de uma hora para a outra. Quando eles não tinham quase nada, era uma coisa, mas agora, depois do sistema econômico misto que eles aplicaram, seria uma tragédia.

Tragédia, hecatombe, devastação, tsunami e fim do mundo estão entre os temas mais falados hoje em dia. E não é apenas nos meios de comunicação. Estes assuntos estão povoando o imaginário popular. Na internet, então, é um deus nos acuda. Há profetas do fim dos tempos em centenas de páginas. Isso sem falar nos filminhos sobre a matéria, postados no YouTube.

O mundo vai acabar em dezembro de 2012, afirmam muitos deles, baseados nas supostas previsões dos calendários maia e asteca. Mas quantas vezes já nos disseram que o mundo iria acabar?

Deixa eu voltar ao cara do rádio, porque ele conti- nuava afirmando coisas. Não demorou muito para ele começar a traçar o quadro da derrocada final. Quem é esse cara? Perguntava eu. É o quinto cavaleiro do Apocalipse? Trata-se da reencarnação de Nostradamus?

Ou é apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e vindo do Interior? Aquela voz era monocórdia, gélida e sem emoção. Mas o pior é que parecia que ele sabia exatamente do que estava falando. E aquela espécie de segurança me incomodava.

Se eu já havia, de certo modo, superado o medo do suposto fim do mundo ao término de 2012, a perspectiva de uma guerra mundial nos próximos tempos me apavorava pra valer. E era o que ele acabara de dar a entender.

Com todos os efes e erres, ele concluía que uma guerra total entre as nações não estava descartada. E comprovava sua teoria com fatos do passado. É claro que a gente sabe que por trás das guerras há sempre o interesse econômico.

E sabemos também que, com uma guerra de grandes proporções, a maioria perde, mas há sempre quem se locuplete com os lucros advindos da desgraça alheia. Guerra é guerra. Mas não podemos pensar numa desavença global em pleno apogeu das comunicações. Nunca a humanidade se comunicou tanto quanto agora.

Ou isso é apenas uma falácia? Muita gente acredita que a comunicação digital baseada nos imeils, tuiters, feicebuques e outros que tais é apenas superficial. Não vai ao ponto-chave. Não substitui o olho no olho, o face a face. Talvez tenham razão.

O cara do rádio até pode não estar tão enganado assim. Pensando bem, estamos assumindo uma série de novos procedimentos sobre os quais ainda não temos a exata comprovação de que são realmente importantes e vitais para nós. Que sejam usados pelo comércio e a propaganda como alavancas para as vendas, tudo bem. Mas talvez não possam ser os balizadores de nossas vidas como se fossem primordiais e inevitáveis.

Nada substitui um bom-dia verdadeiro e sincero. Um muito obrigado vindo do fundo do coração. Por isso eu não acredito que o cara do rádio esteja tão certo em relação ao futuro desta crise. Eu prefiro acreditar que não. Não haverá outra guerra. Afinal, quando um não quer...
*Músico, publicitário

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