sábado, 24 de dezembro de 2011



24/12/2011 e 25/12/2011 | N° 16927
CLÁUDIA LAITANO


Véspera

O cheiro que vem da cozinha é de uma alquimia imprecisa. Pêssegos e passas se confundem no ar com os aromas da carne sendo assada no forno, enquanto a nota suave das fatias de abacaxi dispostas na travessa enfeitada com cerejas e fios de ovos – estes fadados a permanecerem intocados, não importa quantas vezes a travessa vá e volte ao refrigerador nos dias e noites seguintes – espalha pela casa um inconfundível perfume festivo.

Algo sendo preparado na batedeira compõe uma sinfonia concreta com o laborioso liquidificador e com a enceradeira girando célere rumo ao anacronismo irrevogável que condena certos eletrodomésticos a se acumularem no ferro-velho da memória junto a brinquedos quebrados e vestidos que já não servem mais.

O movimento da casa sendo arrumada para as visitas da noite, a cozinha em ação continuada e diligente, brinquedos escondidos em algum canto do armário já revirado muitas vezes nos dias anteriores. O ritmo singular de um dia que não é de trabalho ou de estudo, mas tampouco lembra a modorra de um feriado ou a pausa rotineira de um fim de semana. É uma manhã de véspera de Natal, e para uma criança (esta criança) não existe maior espetáculo na Terra.

Haverá, com sorte, muitos outros Natais antes e depois daqueles em que você é o adulto com a chave do armário dos brinquedos escondidos. Natais burocráticos, Natais alegres, Natais em que novos membros da família fazem sua estreia no álbum de retratos, Natais sob o impacto de perdas recentes que, saberemos mais tarde, nunca perderão seu lugar permanente à mesa de todas as ceias.

Não importa se você adora ou se sente mortalmente deprimido durante as festas de fim de ano, se teve Natais de novela das oito ou de romances do Charles Dickens: o Natal do presente será sempre medido conforme alguma nostalgia da infância.

E não há ocasião mais pródiga em lições duradouras sobre expectativa e realidade. Ainda crianças, aprendemos que é preciso modular nossos sonhos para que eles caibam na realidade, material e afetiva, da família que temos. Mais tarde, aprendemos a aceitar nossa família para que ela continue cabendo nos sonhos de harmonia que o Natal, como nenhuma outra ocasião, parece cobrar indistintamente, como se fosse um imposto.

Mas nenhum Natal tangível sobrevive à comparação com aquelas manhãs de pura antecipação da infância. Essas horas em que a expectativa pelas surpresas da noite dava solenidade e significado a cada gesto banal dos adultos, e todos os presentes um dia desejados – um foguete que vai à Lua, uma boneca de pano que fala, um buggy que anda na rua de verdade – ainda são uma possibilidade tão concreta e factível quanto podem ser concretos e factíveis todos os desejos de quem ainda não aprendeu a sonhar apenas com o que é possível.

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