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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Pasquale Cipro Neto
Os centavos e a porcentagem
Há alguns anos, a Fuvest exigiu uma conta simples: o quadrado de 10%. Sabe qual foi a resposta mais votada?
Estava na capa de um site, ontem: 90% dos alunos do 9º ano das escolas públicas não sabem fazer contas com centavos. No mesmo site, na seção de economia, lia-se isto: "Prévia da inflação tem alta de 6,56% no ano e fecha acima da meta".
Pois bem. Os pequenos não sabem lidar com centavos, e os grandes não sabem lidar com porcentagem. A julgar pelo que muitas vezes se ouve no rádio e na TV, não são poucos os apresentadores que não sabem que centavo é uma de cem partes iguais em que se dividem algumas moedas (a nossa, no caso).
Não fosse assim, não ouviríamos com certa frequência algo como "O dólar fechou cotado a um real e setecentos e noventa e quatro centavos" (R$ 1,794). Pois é, caro leitor, até Pedro Bó sabe que um real tem cem centavos, de modo que setecentos e noventa e quatro centavos de real correspondem a R$ 7,94 (sete reais e noventa e quatro centavos). Se o dólar fechou a um real e setecentos e noventa e quatro centavos, acabou o dia a R$ 8,94 (R$ 1,00 + R$ 7,94).
Em se tratando de dinheiro, para muita gente o que vem depois da vírgula é centavo... Se há três casas depois da vírgula, não há centavos; há milésimos. Como a situação é do tipo "casca de banana", muitas emissoras adotaram a tática de fugir do problema. Sabe como? Foi criada a leitura "escadinha", encerrada no último algarismo do valor do dólar: "O dólar fechou cotado a um real sete nove quatro". Sete nove quatro o quê?
O mais engraçado é que, quando o dólar fecha em algo como 1,790, os locutores persistem: "O dólar fechou cotado a um real, sete nove zero". Pelo jeito, esse pessoal acha que 1,790 é diferente de 1,79. Não é, caro leitor. Nesse caso, bastaria dizer que o dólar fechou a um real e setenta e nove centavos (sim, centavos).
Sabe por que pimpolhos e marmanjos vão mal quando se trata de centavos e de porcentagem? Porque a coisa já começa mal na leitura, que revela desconhecimento daquilo que se lê, o que, por sua vez, revela que o aprendizado e o ensino... A leitura ruim é sintoma da falta de aprofundamento na questão, fator que geraria o entendimento do processo (e não a decoreba).
O caro leitor já percebeu o que ocorre no título sobre a inflação? Releia-o, por favor. Se a prévia da inflação tem alta de 6,56% no ano, informa-se que o índice prévio aponta para 6,56% de acréscimo sobre o índice anterior. Suponha um índice anterior de 5% e uma alta de 6,56%. Qual seria o índice deste ano? Seria de 5,328% (é só fazer a conta).
O que ocorre não é nada disso. Para ir direto ao ponto, o título que traduziria a notícia seria mais ou menos assim: "Prévia da inflação aponta índice anual de 6,56%, superior ao teto da meta". Curto e grosso: o índice é ou será de 6,56%, o que não significa que a inflação terá alta de 6,56%, mas que, grosso modo, o custo dos produtos e serviços que norteiam o cálculo da inflação subirá 6,56%.
Não é por acaso que, há alguns anos, a Fuvest pediu aos candidatos uma conta simples: o quadrado de 10%. Sabe qual foi a resposta mais votada? Foi 100%, é claro. O quadrado de 10% é 1%, caro leitor. É só saber ler: 10% significa 10 em relação a 100, ou seja, 10:100, que é o mesmo que 10/100, que é o mesmo que 1/10, que é o mesmo que 0,1. Experimente multiplicar 1/10 por 1/10 (ou 0,1 por 0,1). O que dá? Dá 1/100, ou seja, 1%, ou seja, 0,01, ou seja...
Tudo começa pelo nome, não? Então tudo começa pelo entendimento dos nomes e das formas de expressão desses nomes, o que nada mais é do que o começo do entendimento de seja lá o que for. É isso.
inculta@uol.com.br
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