Correspondência arriscada
A participação bilionária no Banco Postal, feita sem o parecer de auditores externos, deixa o presidente do BB, Aldemir Bendine, numa situação delicada dentro do governo
NA CONTRAMÃO
O presidente do BB, Aldemir Bendine, na sede do banco. No mercado, o preço pago na compra do Banco Postal foi considerado altíssimo. Mas ele acha que foi um dos melhores negócios fechados pelo BB
(Foto: Silvia Zambone/Folhapress)
Funcionário de carreira do Banco do Brasil (BB), Aldemir Bendine começou na instituição como contínuo aos 14 anos de idade. Já são 33 anos de casa. Dida, como é conhecido internamente, galgou vários postos até alcançar o cargo máximo do BB em abril de 2009, quando assumiu a cadeira de presidente.
Oriundo do governo Lula, Bendine chegou à administração da presidente Dilma Rousseff cercado de rumores de que não permaneceria no cargo. Bendine não queria sair. E estava disposto a jogar o jogo que o governo quisesse – ou melhor, o jogo que alguns integrantes do governo queriam. Ele jogou. Mas a situação se complicou.
Em maio, tomou uma decisão que agora está lhe causando problemas internos no governo. Naquele mês, o BB decidiu pagar R$ 2,3 bilhões para explorar serviços bancários na rede de agências dos Correios, o Banco Postal. Pelos próximos cinco anos, o BB terá à disposição cerca de 6.200 pontos de atendimento e aproximadamente 10 milhões de clientes.
Aparentemente, trata-se de um bom negócio, que contou com a bênção do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, a quem os Correios estão subordinados. A entrada firme do Banco do Brasil na disputa foi encarada pelo governo como uma oportunidade única para alavancar a receita dos Correios, há anos em crise, com sérios problemas na entrega de correspondências.
Mas a conta saiu cara demais para o BB. Pior: o banco simplesmente desconsiderou um procedimento aplicado em todos os negócios de magnitude semelhante. Dispensou a contratação de um parecer denominado fairness opinion (opinião justa), um documento produzido por auditorias externas para quantificar o valor de um determinado negócio e salientar riscos para os acionistas das empresas.
Há menos de um mês, o secretário executivo do Ministério da Fazenda e presidente do Conselho de Administração do BB, Nélson Barbosa, prestou atenção a esse episódio. Ele pediu explicações à diretoria do banco sobre a falta do parecer. Começava ali uma ginástica engendrada por Bendine e sua equipe para explicar a transação que ele julgava ter agradado a todo o governo.
A oferta do BB superou em R$ 50 milhões o lance final do Bradesco, que opera o Postal há dez anos e sabe, como nenhuma outra instituição, quanto o negócio vale. ÉPOCA
apurou que o presidente do Bradesco, Luiz Trabuco, classificou como “irracional” o preço oferecido pelo BB. Trabuco afirmou a pessoas de sua confiança que o próprio Bradesco se excedera quando deu um lance de R$ 2,25 bilhões. Em 2001, quando o Bradesco venceu a disputa para explorar os serviços bancários nas agências dos Correios por dez anos, pagou R$ 200 milhões no leilão.
Atualizado pela inflação, esse montante não chega a R$ 450 milhões, hoje. Para o Bradesco, o Banco Postal transformara-se não somente numa rede de atendimento complementar, mas em parte vital de sua estratégia de marketing. Significava anunciar na TV sua “presença” em todo o país.
Em comparação com a Caixa, outro participante do leilão, o lance final do BB foi R$ 500 milhões superior. “Achávamos que venceríamos com R$ 1,8 bilhão. Esse era o valor que tínhamos disponível para o leilão”, afirma o vice-presidente de Negócios da Caixa, José Henrique da Cruz. Analistas de mercado tiveram a impressão de que a nova aposta saiu cara para o BB. “É um valor altíssimo”, disse o presidente da consultoria Austin, Erivelto Rodrigues. No dia em que o leilão do Postal foi realizado, as ações do Banco do Brasil caíram, enquanto as do Bradesco subiram.
Além dos R$ 2,3 bilhões, o BB terá de arcar com outros R$ 500 milhões pelo uso da rede de agências e deverá pagar, no mínimo, R$ 350 milhões por ano aos Correios, referentes a tarifas por operações realizadas. Somados os valores, é um negócio que beira os R$ 5 bilhões. Bendine, o presidente do BB, disse a ÉPOCA que a parceria no Banco Postal é um dos melhores negócios feitos pelo BB nos últimos anos e que não há motivo para os acionistas ficarem preocupados.
O presidente do Bradesco, Luiz Trabuco, classificou como "irracional" o preço oferecido pelo BBÉ estranho, porém, que o BB tenha optado por não contratar uma opinião externa para medir se o retorno e o risco da operação justificariam o valor a ser investido. Na compra de participações nos bancos Nossa Caixa, Votorantim, Banco do Estado de Santa Catarina (Besc) e Patagônia (argentino), o BB contratou a fairness opinion.
O serviço também foi encomendado antes de uma associação do banco com a empresa espanhola Mapfre, que atua no mercado de seguros. Por meio de sua assessoria, o banco afirmou não ser obrigatória a contratação do parecer antes de participar de leilões. A encomenda do parecer, de acordo com o BB, só vale para situações de compra de ativos e participações em sociedades.
Para a contabilidade do banco e para o bolso dos acionistas, não faz diferença se o dinheiro foi desembolsado diretamente na aquisição de outras empresas ou depois da realização de um leilão, caso do Postal. O que importa saber é se o aporte de uma quantidade elevada de recursos é seguro.
Uma nota encaminhada a ÉPOCA pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula e fiscaliza empresas com ações em Bolsa, mostra como a interpretação do BB está sujeita a controvérsia. “A fairness opinion é um recurso usado pelos administradores para verificar a adequação dos termos de transações a ser realizadas por suas companhias”, diz a nota.
Barbosa, do Ministério da Fazenda, confirmou que fez indagações ao BB sobre a participação no leilão. Disse ainda que, depois de receber as explicações, considerou os procedimentos adotados adequados. O discurso oficial de Barbosa, no entanto, não condiz com o comportamento recente de Bendine. Após o alerta do secretário executivo da Fazenda e seis meses após o leilão, Bendine resolveu mobilizar os dirigentes do BB para contratar o parecer.
NEGÓCIO POLÊMICO
Propaganda do Banco Postal numa agência dos Correios, em São Paulo. Três empresas foram procuradas para fazer avaliação pós-leilão, mas nenhuma topou (Foto: Mateus Bruxel/Folhapress)Pelo menos três empresas foram procuradas recentemente para fazer a fairness opinion. Nenhuma delas aceitou. Diante das negativas, o banco passou a dizer que será contratada uma assessoria especializada para dar apoio à parceria com os Correios e trabalhar no plano de negócios.
Encomendar a fairness opinion neste momento não parece fazer sentido. Serviria apenas para encobrir um possível furo deixado lá atrás, no momento do leilão. De acordo com Bendine, houve uma falha do banco ao redigir a ata da reunião do Conselho Diretor em que a decisão dessa contratação tardia foi citada. “Não era para constar o termo ‘fairness opinion’. Apenas o termo ‘assessoria especializada’. Observamos essa falha numa reunião realizada no começo de novembro”, diz Bendine.
A preocupação de Bendine com as interferências de Barbosa no BB cresce a cada dia. No ano passado, Barbosa teve papel fundamental na formulação do plano econômico da candidata Dilma. Conselheiro econômico da presidente Dilma, sempre requisitado a resolver assuntos espinhosos, Barbosa costuma ser apontado como possível substituto do ministro Guido Mantega numa eventual mudança na Fazenda.
Recentemente, ele foi escalado para assumir a proposta que prevê a criação de um fundo de previdência complementar para o servidor público. Ter atritos com Barbosa significa um potencial foco de problemas para Bendine.
Executivos do Banco do Brasil dizem que o episódio do Banco Postal poderia ser o pretexto para uma substituição. O mais cotado é o vice-presidente de Negócios de Varejo, Paulo Caffarelli.
Até o caso Banco Postal, o momento mais crítico vivido por Bendine no BB ocorrera em setembro do ano passado, quando a imprensa descobriu que ele usara R$ 150 mil em dinheiro vivo na compra de um apartamento de 160 metros quadrados no interior de São Paulo.
Levantou-se suspeita sobre a origem dos recursos. Na ocasião, Bendine afirmou que a transação com dinheiro vivo é legal e que declarara possuir R$ 200 mil em espécie à Receita Federal.
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